A omissão do Brasil, em todas as fases do combate às drogas, está transformando este país num flagelo social chamado narcobrasil. A repressão, a cargo da polícia, entrou em falência. O culpado não é só a polícia, mas todo o sistema penal brasileiro, que engloba a fase legislativa, policial, o Ministério Público, a Justiça e o sistema prisional. A responsabilidade pelo combate é um dever compartilhado. O insucesso também deve ser dividido em partes iguais entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Opinião
Drogas: omissão oficial
Essas cinco frentes (Legislativo, polícia, ministério público, justiça e sistema prisional) falham porque a base, que é a prevenção, ruiu. Ninguém se importou com o alicerce do edifício das drogas. Aí, o prédio inteiro está indo abaixo.
O Brasil precisa travar intensa discussão sobre esse flagelo social, sem abdicar valores e princípios. É um culto pela vida e isto não se faz com hipocrisia. A sociedade precisa de autoridades e instituições mais comprometidas.
Caso contrário, não haverá retorno. O descontrole e a hipocrisia do Brasil são tão grandes que a saída, criminosa, covarde e desonrosa, tem sido pela porta da descriminalização total do uso e até do pequeno tráfico. Liberação do consumo e, via de consequência, do tráfico formiguinha são tudo o que a grande traficância deseja.
Os três Poderes estão, ao mesmo tempo, sendo coniventes, mediante omissão, com o grande tráfico e com o genocídio causado pelas drogas. O Brasil aceita o risco de produzir o resultado, como um motorista que, em via pública,
dirige em alta velocidade e mata. A legislação é cada vez mais fraca, o Judiciário mais permissivo e o Executivo mais indiferente.
O Projeto de Lei n.º 236/2013-Senado, elaborado por uma comissão de juristas, além de descriminalizar completamente o uso (dependente ou não), termina por liberar também o pequeno tráfico (art. 212). O parágrafo 4º desse
artigo dispõe: “Salvo prova em contrário, presume-se a destinação da droga para uso pessoal quando a quantidade apreendida for suficiente para o consumo médio individual por cinco dias, conforme definido pela autoridade administrativa de saúde”.
Sendo aprovado, a Anvisa poderá fixar, por exemplo, em cinco gramas de cocaína a quantidade suficiente para consumo em cinco dias. Não será preciso provar que é para uso. A lei presume. O sujeito, que não usa, poderá andar livremente com até cinco gramas, de cada vez, para venda. Basta declarar ao policial que são para seu uso.
O Excecutivo, que não se comove com o flagelo, fecha os olhos e agradece ao Legislativo. Recuperar viciados é caríssimo para os cofres públicos. Será como fumar cigarros. O problema passará a ser de cada consumidor.
O Judiciário, por sua vez, é cada vez mais permissivo com traficante.
O Supremo já firmou entendimento no sentido de que, quando a pena é reduzida para menos de quatro anos, o traficante, sendo primário, não compondo organização, tendo bons antecedentes e não tendo no tráfico seu meio de vida, tem direito a cumprir a reprimenda em regime aberto ou trocá-la por medidas restritivas de direitos, dentre as quais prestação de serviço (num colégio, por exemplo, onde estuda o filho do policial que o prendeu ou o do juiz que o condenou) e limitação de final de semana (passar cinco horas numa delegacia).
Inobstante a desgraça causada pelas drogas, a conivência brasileira é chocante. O Brasil é o segundo maior consumidor mundial. No uso de drogas injetáveis, só perde para os Estados Unidos, a China e a Rússia e, até 2012, havia contabilizado 26.000 mortes por AIDS adquirida através do uso compartilhado de seringas.
A responsabilidade deve ser compartilhada entre os três Poderes também nesse cenário de dor.
*Odilon de Oliveira é juiz federal