A vigorosa reação da opinião pública à mais recente tentativa de recriar a CPMF sob nova roupagem converteu-se numa cabal demonstração de que a sociedade já não suporta calada a repetição de antigas artimanhas destinadas a tungar o bolso do cidadão em benefício de uma casta de políticos e apadrinhados que se acomodam às benesses do Planalto Central e se esquecem dos sacrifícios enfrentados pela grande maioria da população brasileira.
Todo mundo conhece os crônicos e jamais resolvidos problemas da saúde pública em nosso país e reconhece a importância de se aplicar mais recursos no setor, como uma das condições necessárias, mas não suficiente, para a solução dessa crise que se eterniza.
O que não dá é apelar para a via fácil da tributação. Começou com o imposto do cheque, seguiu com a contribuição provisória que virou permanente até não ser mais nem uma coisa nem outra, e agora vinha maquiada com uma nova sigla, CSS (Contribuição Social para a Saúde), felizmente abatida durante a votação na Câmara dos Deputados.
Os parlamentares finalmente cumpriram uma antiga obrigação e regulamentaram a Emenda Constitucional nº 29, que há dez anos esperava por esse dia. Aliás, a história começou antes. A Constituição Federal de 1988 determinou que o SUS (Sistema Único de Saúde) fosse financiado conjuntamente pela União, Estados e municípios, cada qual entrando com um percentual da receita orçamentária definido em lei.
Como a legislação permaneceu em aberto, no ano 2000 a Emenda 29 alterou a Constituição de forma a fixar temporariamente índices para cada ente federado, até que se votasse uma lei definitiva. Além disso, também ficou no ar a questão de se saber exatamente quais despesas poderiam ser incluídas na rubrica saúde para efeito de contabilizar o cumprimento das metas legalmente determinadas.
Essas lacunas foram cobertas na votação realizada em 21/09 na Câmara dos Deputados. Municípios terão de gastar com saúde 15% da receita corrente bruta, Estados 12%, e a União se obrigará a corrigir os gastos anuais usando a variação do PIB do período anterior. E só poderão ser consideradas despesas diretamente vinculadas ao setor (pessoal, medicamentos, ações sanitárias, obras).
Além disso, foi retirada do projeto a definição da base de cálculo da famigerada CSS, que ficou, portanto, inviabilizada.
Embora o texto ainda passe mais uma vez pelo Senado, já que sofreu alterações, fica a certeza de que a CPMF repaginada vai continuar apenas rondando a vida nacional como um fantasma. Ninguém vê condições políticas para acrescentar mais um tributo federal à atual e extensa lista: são 68 impostos, contribuições e taxas, desde nosso velho conhecido Leão do Imposto de Renda até coisas exóticas como a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine).
Só a área federal já arrecadou este ano, até julho, R$ 555 bilhões, ou seja, 14% a mais (descontada a inflação), que no ano passado. A previsão para o ano inteiro é ultrapassar a marca inédita de R$ 1 trilhão.
E o que se faz com tanto dinheiro? Deveria retornar à população na forma de bons serviços públicos, especialmente saúde, educação, transportes. Mas veja-se este dado: entre os 30 países com maior carga tributária no mundo, o Brasil oferece o pior retorno dos valores arrecadados, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.
Do que se conclui que, para melhorar o atendimento às famílias e oferecer a mínima qualidade merecida por quem paga pelo (mal) funcionamento da máquina administrativa, está na hora de falar menos e fazer mais com o dinheiro que existe e que, como se viu, é bastante volumoso. O momento nacional sugere fazer menos nomeações “políticas” e colocar pessoas capacitadas para obter uma gestão eficiente e eficaz, alcançando melhores resultados. Evitar desperdícios e eliminar gargalos, de modo a maximizar o rendimento. E combater sem tréguas a corrupção, foco de desvio de imensas somas de recursos públicos que precisam voltar para sua finalidade original em benefício da sociedade.
Temos, sempre é bom repetir, uma estrutura caótica de impostos, contribuições e taxas, nos três níveis federativos. São aplicados de forma desordenada e injusta, atingindo pesadamente a produção e o consumo, e inibindo a geração de emprego e renda para o trabalhador. Encargos e burocracia em excesso constituem pesado fardo adicional para as empresas.
O saudoso Tancredo Neves, no discurso de posse, que não chegou a pronunciar, mas foi lido pelo vice-presidente que assumiu, José Sarney, dava a diretriz de seu governo: é proibido gastar!
Pois bem, nesses tempos de ameaça de crise, o lema deve ser: é proibido ser perdulário.
José Maria Chapina Alcazar é empresário contábil e presidente do SESCON-SP