Lendo a coluna de opiniões do Jornal “O Estado de São Paulo” (22.08.2010), interessou-me o teor do artigo do professor titular da USP Gaudêncio Torquato, com o seguinte título: “Pior do que tá não fica”.
Na verdade, segundo o articulista, trata-se do slogan de campanha do palhaço Tiririca, candidato a Deputado Federal. Segundo o professor Torquato, Tiririca, no programa de rádio e televisão, além do esdrúxulo slogan, propôs-se a incitar a curiosidade do povo com uma pretensa pergunta já seguida da respectiva resposta: “O que é que faz um deputado federal?”; “Não sei, mas vote em mim que eu te conto”. Extraí do fato algumas conclusões.
A legislação eleitoral permite (ou não veda) que palhaços – e não só o Tiririca – façam da arena política seu picadeiro. A palhaçada consiste em brincar literalmente com a consciência cívica do povo e atrair votos à custa desse “divertimento”.
Nem seria preciso dizer, mas, nesse quesito, como em mais alguns, a lei eleitoral é hipócrita. É dizer: a lei proíbe a publicidade ostensiva, veda isso, proíbe aquilo. Quer o legislador, em tese, que o marketing sem fronteiras não faça o papel de escolher em quem o eleitor irá votar.
Mas permite, porque não proíbe, que um palhaço profissional, candidato a cargo eletivo, exclame em alto e bom som que não sabe o que faz um deputado federal e declare publicamente sua ignorância a respeito do que fará se eleito.
Trata-se de um bom argumento para qualquer advogado opor representação impugnando o registro da candidatura deste tipo de pretendente a legislador. Afinal de contas, nem é preciso que esteja escrito que o candidato seja conhecedor das funções que, se eleito, passará a desempenhar. Qualquer leigo responderia que é requisito de elegibilidade, além de ter “ficha limpa”, etc, que o concorrente esteja ciente do que fará quando receber o título de parlamentar. Tiririca é réu confesso, e nesse sentido não seria tarefa árdua cassar o registro da sua candidatura.
Argumentariam, todavia… Tiririca é gente do povo, “gente da gente”, tem o dom de curar a tristeza emocional de quem não tem outro motivo para rir, e não tardaria para que os oportunistas de plantão, os falsos ideólogos, começassem a discursar com premissas distorcidas, dizendo que a cassação do registro do “benfeitor” seria conspiração e dor de cotovelo das elites, etc, etc (A propósito: afinal, hoje, quem são as elites e quem as representa…?).
Aqui, em Mato Grosso do Sul, ainda não vi nenhum palhaço candidato dizendo que não sabe quais são as funções do parlamentar. Mas vi papai-noel candidato, engravatado candidato com síndrome de apresentador de jornalismo policial dizendo que irá resolver as coisas ainda que seja no “porrete”, e por aí vai.
Bendita seja a arte. Bendita seja a comédia. Bendita a graça dos palhaços. Benditos os artistas dos circos. Benditos os cartunistas e escritores que, no espaço e lugar próprios, transformam em arte cômica a tragédia protagonizada por muitos que não honram a missão de zelar pelo bem público e pelo bem-estar de quem os elegeu.
Mas não no espaço político. Não na arena onde se confrontam idéias com o patrocínio de verba pública. E jamais no espaço em que o eleitor de todas as classes (todas), na análise sóbria da comparação, terá o poder de escolher quem irá representá-lo.
Ricardo Trad Filho é advogado e conselheiro da OAB/MS