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Esse Nosso Futebol

Nos últimos dias, o Corinthians vive sucessivas celebrações pelo seu centenário, sua torcida, que dizem ser a segunda no Brasil (não seria a primeira?) lotando o Vale do Anhangabaú com 130 mil aficionados em juras de amor eterno ao clube do seu coração. Secundou essas juras, o coro de jogadores, antes “carrascos” do Coringão, agora convertidos à mesma paixão. A torcida do Corinthians, ainda que seus adversários digam o contrário, é mesmo uma Nação que nas arquibancadas pode fazer do Maracanã um palco exclusivamente paulista ou, com seus brados de guerra, acovardar até o adversário mais teimoso e aguerrido, exceto Pelé, de quem já disseram ser vesgo e enxergar pouco, por isso anulável, mas que, em muitas jornadas de genialidade, foi surdo porque jamais se assustou ante o fragor vindo da Fiel.

 É a magia do futebol que, no Brasil, contagia cada vez mais, fenômeno já antigo, planetária que é a aceitação dessa  modalidade esportiva. Ocorre que, no Brasil, o futebol transcende seu caráter lúdico para se tornar épico e forjar em seus praticantes a figura do herói. “A Pátria de chuteiras” é a encarnação da Nação mobilizada para um enfrentamento bélico, o jogador de futebol o nosso soldado que defende lá fora a honra nacional. Para nós, o “Maracanazo” de 1950, nossa derrota para o Uruguai em uma final de Copa do Mundo, tem a mesma intensidade trágica de uma Waterloo para os franceses. E, se Napoleão teve de amargar o exílio em Santa Helena, o goleiro Barbosa foi condenado ao ostracismo  em Praia Grande, suas mágoas ignoradas pelas hordas paulistanas movidas à farofa do fim de semana. Napoleão, a quem os franceses veneram, tem panteão em Les Invalides; Barbosa, protagonista de culpa menor no drama maior do nosso “fut”, morreu sem ser redimido.

A tragédia de 1950 é pagina virada e agora, nos seus 100 anos de vida, o Corinthians parece viver uma pujança que, a despeito do enorme fascínio exercido pelo futebol, não alcança seus pares endividados e conformados  em serem o que, em “economês”, se designaria “exportadores primários”, a colônia que serve as metrópoles. Seu produto, jovens quase crianças “vendidos” à cotação inferior à oferecida a colegas estrangeiros nos grandes mercados futebolísticos da Europa. Esses jovens, se bem sucedidos, por lá ficam e até passam a exibir sotaque; se no final da carreira, a decadência chegando, retornam ao Brasil para o canto do cisne da aposentadoria, ou, desambientados, voltam cedo aos gramados nos quais se iniciaram.

Muita coisa mudou, mas o futebol no Brasil, a despeito da Lei Pelé e do Estatuto do Torcedor, ainda que não mais seja uma atividade econômica marginal, continua eivado do romantismo dos jogadores boêmios e do amadorismo dos dirigentes folclóricos, um caldo de cultura que ainda traz o ranço de quando o jogador de bola era endeusado nos estádios e, depois do jogo, via lhe fecharem as portas ditas decentes. Temos reis e príncipes, mas também a plebe ignara dos times desvalidos. Nossos clubes devem à Previdência e não pagam seus atletas, porque aceita como natural a penúria que eles curtem. Dados confiáveis indicam que a sua renda de ingressos não chega a 10% das receitas minguadas, estas, em mais de 50% representando os “cachês” de televisão e a venda de jogadores em valores vis, mil deles apenas em 2009, o que sugere contadas nos dedos as negociações rentáveis. A título de cotejo, estima-se que o Real Madrid alcance este ano receitas perto de 1 bilhão de reais, enquanto aqui, chegaremos ao máximo de 25% de tal montante, o Flamengo e o Corinthians nas primeiras posições.

Assim, o vigor corintiano em seu centenário, diferente por exemplo, da modéstia de uma Ponte Preta, é fato auspicioso. Aguarda-se, ao ensejo de tanta celebração e de arrojadas cartadas de marketing, a construção de um estádio apto a sediar a abertura da Copa de 2014, no momento em que no país, tanto o Poder Público quanto os capitais privados, em apostando no efeito multiplicador de uma Copa do Mundo, estão otimistas quanto à impulsão que a economia brasileira haverá de experimentar com a festa máxima do futebol. Há muito a fazer, além de construir ou reformar as arenas, pois, que no caudal de uma competição tão badalada, temos que investir em transportes de massa, aeroportos, hotelaria, serviços de saúde e de segurança, apressando o surgimento de um Brasil tão moderno que nada fique a dever às sedes que se habilitaram a sediar a Copa de 2014 e foram preteridas em favor da nossa candidatura.

Momento, também, em todo esse afã, de saber como fica o jogador de futebol, não aquele dos grandes salários, no foco da mídia, disputado pelos clubes europeus, mas o rapaz pobre que nem mesmo  sonha em estar na Espanha, Inglaterra ou Itália e que vive de uma arte mambembe praticada pelos pequenos times, ou seja, um trabalhador igual a qualquer outro, mas sem proteção social, os tornozelos e os joelhos moídos e tratados clandestinamente, o fim precoce de uma carreira no anonimato, sem nenhuma glória. Seria louvável saber como fica esse moço, que se tivesse melhor sorte e fosse exceção entre seus pares igualmente infelizes, subiria aos palcos do centenário corintiano ou seria o astro do grande espetáculo de 2014.

Hélio Silva é economista e advogado