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Excelsas jararacas

A Operação Lava-Jato é uma revolução política, social, jurídica, cultural e, se bobear, pornográfica

A Operação Lava-Jato é uma revolução política, social, jurídica, cultural e, se bobear, pornográfica. Enquanto até as fornicações de Suas Excelências são pagas com dinheiro roubado dos cofres públicos, a sustentação da República repousa no colo de uma força-tarefa composta por alguns poucos cidadãos honrados. Mente despudoradamente quem diz que seres como Luiz Inácio da Silva — vulgo “Lula” —, Dilma Rousseff, Renan Calheiros, Eduardo Cunha e Ricardo Lewandowski são fiéis da balança democrática brasileira. Não são. Jamais ultrapassaram os limites de seus ilustres umbigos. Parafraseando obliquamente o ex-presidente mais presenteado e sortudo de nossa História, são jararacas que habitam o sapezal do poder.

Imbuídos de má-fé crônica e muita leviandade, alguns setores da sociedade — em especial jornalistas, juristas de meia-pataca e formadores de opinião — insistem defender teses bêbedas, como a condução coercitiva contra Lula foi um erro; ou “o processo de impeachment foi esvaziado”; ou, ainda, “a governabilidade está nas mãos de Renan Calheiros e Leonardo Picciani”. São, cumpre reiterar, retumbantes bobagens. Neste exato momento, todas as supramencionadas serpentes só estão preocupadas em se livrar do xilindró iminente. Usam a imprensa como autoafirmação de suas fotos trajando poderosos ternos, gravatas e colarinhos-brancos, porque temem terminar seus dias de glória trajando um pijama listrado. Como bem esclareceu o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, representante do Ministério Público Federal na força-tarefa da Operação Lava-Jato, “há uma organização criminosa dentro do Governo Federal”.

É preciso ampliar o olhar para conseguir encaixar os fatos. Hoje sabemos que informações, preciosas pelo sigilo, vazaram do interior da Polícia Federal ou do Ministério Público para a imprensa e para figuras ilustres do PT no governo. À imprensa chegou o prólogo da delação premiada do senador Delcídio do Amaral que, nas poucas linhas exibidas de um documento com mais de 400 páginas, causou um terremoto em Brasília e deixou o universo político alquebrado. Às figuras do governo, alguém fez chegar a informação de que, desde de 24 de fevereiro, o juiz federal Sérgio Moro já tinha lavrado mandados de condução coercitiva contra Luiz Inácio da Silva e de busca e apreensão em suas propriedades, tanto as declaradas, quanto aquelas que pertenceriam ao laranjal de companheiros.

 

Não por acaso, à véspera dos acontecimentos, a presidente Dilma Rousseff acolhe a atabalhoada troca de comando no Ministério da Justiça, tirando da reta o fiofó do seu porquinho favorito e solapando a Constituição ao nomear um promotor baiano para chefiar a pasta. A transferência às pressas de José Eduardo Cardozo para a Advocacia-Geral da União foi, de fato, resultado de sua impaciência com as pressões do PT, que diuturnamente ataca o Estado Democrático de Direito fingindo sua defesa e segue acreditando que o mais longevo Ministério da República precisa ser aparelhado para servir aos interesses do partido, e não da sociedade. No entanto, a precipitação do ato foi pura redução de danos políticos ao ministro Cardozo.

Para uma turma desqualificada, que vive de aparências, mentiras e ilegalidades, seria aterrador assistir à execução da 24ª fase da Operação Lava-Jato, com agentes da Polícia Federal batendo à porta do líder supremo — “Ué, cadê o japonês?!”, debochou Lula ao recebe-los —, sem qualquer reação do ministro José Eduardo Cardozo para impedir a suposta barbárie contra a autoproclamada alma mais honesta do Brasil. Certamente, o PT e, principalmente, o ex-presidente Luiz Inácio, queimariam Cardozo em praça pública.

Graças ao vazamento, estavam cientes de que a nova fase da Lava-Jato seria deflagrada durante a semana, mas Dilma não tinha um nome de relevância para indicar imediatamente para o cargo. O arremedo veio do chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, que apresentou o currículo do promotor companheiro Wellington César para tamponar o buraco. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 128, parágrafo 5º, inciso II, alínea d, tem clareza meridiana ao vedar aos membros do Ministério Público “exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério”. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é farta, com casos emblemáticos de promotores proibidos de assumir cargos de ministro de Estado, secretário estadual ou municipal, diretor de empresa pública e congêneres.

Quem, em um Palácio do Planalto da era PT, está preocupado com o respeito à legislação vigente? Para essa gente, a emergência de salvar a pele de José Eduardo Cardozo da fúria de uma militância tresloucada tem valor maior que o respeito moral e cívico à Constituição da República Federativa do Brasil. Servindo-se de acesso ilegal a informações sigilosas das investigações, tirar Cardozo do comando do Ministério da Justiça antes do camburão bater à porta de Luiz Inácio valeria qualquer perversa inconstitucionalidade.

O resto do espetáculo circense é de pleno conhecimento público. O novo ministro tomou posse na quinta-feira, foi ofuscado pela bomba atômica de Delcídio do Amaral e, no dia seguinte, a jararaca de botequim saiu de casa num carro da Polícia Federal e voltou de BMW, provavelmente outro bem emprestado por seus generosos amigos. Cereja do bolo de tolos, a Justiça Federal em Brasília sustou o decreto de Dilma nomeando o promotor baiano e a canalhice palaciana foi parar na Corte Suprema.

Há uma decisão gravíssima a ser tomada pelos cidadãos deste país: crer na força e coerência do juiz Sérgio Moro e da Operação Lava-Jato e defenestrar de forma premente toda a súcia de celerados empoleirada na Praça dos Três Poderes; ou rasgar a Constituição e permitir que um “projeto criminoso de poder” — em histórica definição de Celso de Mello, ministro-decano do STF — faça livremente o que já faz desavergonhadamente. Nunca é demais reiterar: neste momento da História do Brasil, ululam jararacas nos Poderes. Excelsas jararacas.

 

* Helder Caldeira é escritor e jornalista político