Brasil, 2013. Estamos diante do julgamento do massacre do Carandiru, diretamente do Plenário do Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo. São 83 militares acusados de participar da morte de 111 detentos, em 1992 (e vamos colocar na conta 87 feridos, também).
Opinião
Existe um povo que a bandeira empresta
Pois bem, não vamos discutir aqui a demora de mais de duas décadas para a realização do julgamento. Também não vamos discutir aqui que as famílias das vítimas permanecem sem indenizações. Também não precisamos conversar sobre a superlotação de tantos e tantos presídios brasileiros como o Carandiru, nem vamos nos sensibilizar porque há uma grande porcentagem de presos que são executados nos presídios todos os dias (e há quem diga que não temos pena de morte). É necessário que falemos do quanto é inconstitucional a duração do processo, que fere o direito fundamental de garantia da celeridade de tramitação do processo? Não, não é.
Ou ainda, será que precisamos aqui saber que nas pontas das armas dos policiais que se puseram nos corredores do Pavilhão 9, havia facas que perfuravam o corpo dos presos que eram obrigados a passar levando socos e pontapés? Em 02 de outubro de 1992, se você fosse um detento no Carandiru, caindo no chão, não levantaria mais.
Mas não vamos falar disso não. Vamos falar sobre nossos jovens de 16. O ilustre governador Geraldo Alckmin quer resolver os problemas de segurança pública do estado jogando nossos jovens de 16 nas pontas das facas dos presídios. Quer que nossos jovens, aos 16, já escalem corpos de seres humanos e já aprendam a executar e serem executados.
As notícias que nos chegam por esses dias são de resoluções de problemas em curto prazo: colocaremos nossas crianças aos 4 anos na escola (na precária escola pública, sem nos preocuparmos com a distribuição das vagas e com a capacitação dos professores – que se fará junto ao processo: por que não preparar o terreno primeiro?) e as retiraremos aos 16 direto para a cadeia. Sim, é um sistema de segregação. Sim, vamos nos livrar do problema.
É óbvio que o problema de menores infratores existe, é óbvio que temos de tratá-los, mas a prisão não foi, e temo que nunca será, o meio para recuperar um indivíduo que fere a paz social.
Alguns noticiários pintam a ideia de que a redução da maioridade penal é um apelo social. Há deputados que sugerem até que a redução chegue aos 14. Triste sentimento social. Lamentável visão de uma sociedade que não percebe suas vítimas. Aos 16, jovem nenhum é recuperado dentro de um sistema carcerário falido. Aos 14 nem se comenta a respeito, é quase uma ofensa à cidadania do país.
Ler notícias que afirmam que a sociedade quer ver seus jovens infratores de 16 presos, observando os fins, sem observância dos meios, remete-me a Castro Alves dizendo que “existe um povo que a bandeira empresta pra cobrir tanta infâmia e covardia e deixa-a transformar-se nessa festa: um manto impuro de bacante fria”.
Somos um povo que empresta sua bandeira para cobrir o corpo dos jovens de 16 que queremos colocar no próximo massacre do qual nos lembraremos somente 21 anos depois. Mais famílias lavarão pavilhões com seus prantos, porque o sistema resiste, mas não desiste.
*Alana Regina Souza de Menezes é acadêmica de Direito da UFMS – Campus Três Lagoas