No último dia 22 de junho, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça (DPDC) divulgou uma nota técnica elaborada pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) com a finalidade de apresentar interpretação mais abrangente ao conceito dos aparelhos celulares, sob a justificativa de buscar, assim, maior efetividade ao artigo 18 do Código Defesa do Consumidor.
Para melhor entendimento, o referido artigo 18, como regra geral, além de conferir responsabilidade solidária aos fornecedores e fabricantes/importadores de produtos (duráveis ou não duráveis) em caso de constatação de vícios, faculta aos consumidores, se necessário, as opções de substituição, restituição do valor ou abatimento proporcional no preço do produto, desde que o problema não tenha sido sanado pelos responsáveis (fabricantes e/ou fornecedores) no prazo máximo de 30 dias.
Além disso, o aludido dispositivo, de forma excepcional, possibilita ao consumidor, em seu parágrafo terceiro, que não aguarde o prazo de 30 dias caso “a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial”.
Vale destacar que o DPDC, em seu mencionado parecer, afirma: (i) que os serviços de telefonia móvel são essenciais; (ii) que os aparelhos celulares, por extensão, são produtos essenciais, enquadrando-se, assim, na previsão legal insculpida no mencionado parágrafo terceiro do artigo 18; (iii) que os fornecedores e fabricantes destes produtos devem proceder à troca dos respectivos aparelhos quando da alegação de vício por parte dos consumidores em caráter urgente e imediato; e (iv) em caso de descumprimento deste entendimento, estará o respectivo fornecedor/fabricante sujeito a autuações e imposições de multas que podem chegar, até, ao exorbitante e desproporcional valor de R$ 3 milhões.
Ao contrário do que entende o DPDC, os aparelhos celulares são bens duráveis que estão ligados às determinações legais expressas nos incisos do parágrafo primeiro do artigo 18 do CDC. Ou seja, faculta-se aos consumidores, em casos de vício, “após o transcurso do prazo de 30 dias se não sanado o problema pela assistência técnica”: (i) a substituição do produto por outro de mesma espécie e em perfeitas condições de uso; (ii) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou (iii) o abatimento proporcional do preço. De fato e em conformidade à norma, não cabe a escolha destas alternativas antes de passado o prazo de 30 dias.
O parecer em questão, em que pese o notório conhecimento que emana de seu órgão emissor, vai contra a interpretação analítica da norma que é conferida tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência, sem falar na enorme insegurança jurídica que causa às empresas que fabricam e fornecem aparelhos celulares.
O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), em seu entendimento, busca estender o conceito dos serviços ou atividades essenciais à definição dos produtos essenciais indicada no CDC, fundamentando sua posição na Lei n. 7.783/1989, que trata do exercício do direito de greve diante das atividades essenciais, sob a indicação das necessidades inadiáveis da comunidade.
A referida Lei n. 7.783/1989, em seu artigo 10, inciso VII, determina que são essenciais os serviços de telecomunicações, mas não os aparelhos celulares, meros instrumentos que viabilizam a utilização dos serviços de telefonia móvel, os quais são, por sua vez e consequentemente, um dos meios de acesso aos serviços de telecomunicações tutelados pela norma.
O que se busca dizer, é que se apresentado vício no aparelho celular, obviamente, não ficará seu proprietário privado do uso dos serviços de telecomunicações, uma vez que poderá se valer de alternativas tão ou mais eficientes para alcançar seus objetivos. Reitera-se, neste sentido, que são os serviços de telefonia móvel um dos inúmeros meios de difundir as telecomunicações.
O termo telecomunicação, conceitualmente definido, é a emissão, transmissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou outros processos eletromagnéticos, de símbolos, sinais, caracteres, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, e não apenas o serviço de telefonia móvel, como quer fazer crer o Ilustre órgão.
Prevalecendo, eventualmente, o entendimento do SNDC/DPDC, poderiam ser considerados como produtos essenciais, extensivamente, diversos outros aparelhos eletroeletrônicos que possibilitam o acesso aos serviços de telecomunicações, cada qual com suas particularidades, o que ocasionaria um imensurável abalo nas relações comerciais em razão da abusiva mitigação na apuração da efetiva existência e origem do vício no produto.
Com este novo posicionamento do SNDC/DPDC dirigido aos aparelhos celulares, os riscos de uma determinação praticamente inaplicável e arriscada aos fornecedores e fabricantes, eivada de insegurança jurídica e contrariedade ao texto legal do CDC, são iminentes.
Portanto, diante da interpretação teleológica da norma consumerista, entende-se que o parecer do SNDC, mesmo diante de suas nobres intenções, é contrário ao conceito legal e doutrinário de produto essencial. Deve-se, assim, serem apurados meios mais eficazes e conformes à legislação de modo a não impor procedimentos e sanções que podem, se efetivados, tornarem-se injustos e impraticáveis pelos fornecedores e fabricantes/importadores de aparelhos celulares.
Victor Penitente Trevizan e Diogo Verdi Roveri são advogados da área cível do escritório Peixoto e Cury Advogados – [email protected]
Opinião