Regidas por regras próprias, as cooperativas de trabalho estão se tornando um exemplo de como uma ideia bem intencionada pode ser deturpada em benefício de uma minoria inidônea. Há tempos, estamos assistindo a proliferação de falsas cooperativas de trabalho que, por estarem isentas de obedecer às normas constitucionais, como as detalhadas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), encontraram um filão que, em última análise, prejudica os trabalhadores e exerce feroz concorrência desleal com as empresas sérias que prestam serviços nos mesmos segmentos.
Estas últimas, além de obrigadas a cumprir a CLT – oferecendo, portanto, emprego formal aos seus contratados – estão sujeitas às mesmas normas de qualquer empresa privada no país. Vale dizer, são empreendimentos que especializam seus funcionários e, mais relevante, arcam com os mesmos impostos, taxas, tributos e ônus burocráticos que a legislação impõe a todas as empresas em atuação no mercado brasileiro.
Não é o caso das falsas cooperativas de trabalho. Em flagrante burla à legislação, se valem de privilégios que só deveriam ser concedidos a organizações que, de fato, cumpram o requisito social básico de reunir trabalhadores em torno da união para a busca de mercado. Isto quer dizer que o principal objetivo das verdadeiras cooperativas de serviços é encaminhar seus associados para o trabalho de forma a assegurar-lhes suas necessidades. Dentro deste espírito, não cabe a figura do patrão e, sobretudo, é garantido o direito de distribuição de eventual lucro de maneira uniforme entre todos os cooperados.
Quando isto não ocorre, estamos diante de uma fraude, na qual só obtêm vantagens – e altos ganhos pessoais – os dirigentes das famigeradas cooperativas de fachada. Neste caso, não são dirigentes de cooperativas. São empresários de má-fé disfarçados de dirigentes. E que se utilizam de um falso cooperativismo para garantir benefícios particulares à custa das brechas da lei e práticas lesivas aos legítimos interesses dos trabalhadores.
Trata-se de ilegalidade inequívoca. Na verdade, cria-se uma intermediação de mão de obra, sem o pressuposto básico de gestão compartilhada e democrática entre todos os trabalhadores envolvidos, com o objetivo de fraudar a lei. Em suma, nada a ver com o verdadeiro cooperativismo – tudo a ver com a inaceitável locação da força de trabalho de supostos cooperados.
O expediente está se vulgarizando de tal forma, e ganhando contornos de ilicitude tão clara, que já chama a atenção das mais diversas autoridades. Em São Paulo, por exemplo, decreto do governo estadual deu um primeiro passo para coibir a prática do cooperativismo de fachada. O decreto, de nº 55.938, merece aplauso e deve ser visto como procedimento a ser seguido para se iniciar o combate a esse tipo de fraude.
Assinada pelo governador Alberto Goldman, a nova legislação objetiva, em primeiro lugar, a salvaguarda dos direitos dos trabalhadores fixados na Constituição de 1988 e regulamentados pela CLT. E tem como fundamentação legal, além de manifestações do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que deliberou vetar participação de cooperativas em licitações de serviço que impliquem vínculo de subordinação.
Com essa base jurídica, o decreto veda a participação de cooperativas nas licitações promovidas pela administração direta do Estado em nada menos do que 15 segmentos de serviços, entre outros, limpeza, segurança, recepção, copeiragem, locação de veículos, secretariado e manutenção e conservação de áreas verdes.
São algumas das atividades nas quais a cortina de fumaça do falso cooperativismo já não conseguia mais esconder o verdadeiro propósito de deliberada burla à legislação e a apropriação indevida do trabalho alheio em proveito de intermediários de má-fé.
Com o decreto, o Estado de São Paulo não só sinalizou um caminho para estancar o desvirtuamento do verdadeiro espírito cooperativista nos serviços que os governos demandam. Alertou também aos tomadores de serviços da iniciativa privada que é hora de dar um basta aos que se utilizam do cooperativismo única e exclusivamente em conveniência própria.
Vander Morales é presidente da Asserttem (Associação Brasileira das Empresas de Serviços Terceirizáveis e de Trabalho Temporário) e do Sindeprestem (Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de Mão de Obra e de Trabalho Temporário no Estado de São Paulo)
Opinião