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Opinião

Felizes para sempre

Até bem pouco tempo as uniões entre as pessoas, em nossa sociedade, não eram fruto de escolha pessoal. Os casamentos se faziam a partir de interesses econômicos, políticos e comerciais. As escolhas amorosas realizadas pelos próprios parceiros em função da identificação entre si e pelo carinho recíproco é recente na história da humanidade. O “casamento por amor”, como podemos chamar esse fenômeno que motiva os casais a ficarem juntos na atualidade, e que é a suposta garantia de que sejam felizes, acompanha o fenômeno da constituição histórica da família burguesa, processo que mudou drasticamente a vida cotidiana das pessoas.
Através dos meios de comunicação de massa, principalmente das telenovelas, a ideia do casamento do tipo encontrado nos contos de fadas passou a ser transmitida como o caminho para a felicidade eterna. A mensagem fundamental é a de que o encontro da pessoa ideal, a famosa “cara metade”, garante uma vida cheia de realizações e gratificações. Esta visão da vida conjugal como meio para obtenção de gratificações infindáveis inicia, a bem da verdade, ainda na infância, através das estórias infantis como a Bela Adormecida, Branca de Neve, a Bela e a Fera, Shreck e muitas outras. Entretanto, a mesma mídia, que é uma fonte rica usada pelos coletivos humanos para elaboração do imaginário, oferece visões sobre a relação estável que podem ser consideradas como “o outro lado da moeda”. O sexo no casamento é mostrado como algo que se torna não prazeroso, seja porque o passar do tempo produz desgastes nos relacionamentos, seja porque as esposas passam a assumir funções de donas de casa e mães em detrimento de suas vidas sexuais.
A cultura aponta para duas possibilidades em termos do vínculo duradouro afetado por dificuldades emocionais. De um lado, aparece a figura feminina que se torna sexualmente desinteressante ou como ser assexuado que se dedica inteiramente à casa e aos filhos. Trata-se da interessante situação de justamente pensar que não tem vida sexual aquela que comprovadamente teve esta experiência, uma vez que engravidou e deu à luz … Nesse contexto, a dissociação é franca, lembrando a era vitoriana, onde as donas de casa eram consideradas mulheres “direitas” e em consequência disso impedidas de usufruírem dos prazeres do sexo. Isto também lembra a condição emocional de alguns homens para os quais a ideia de prazer sexual das esposas é inconcebível. De outro lado, a figura masculina aparece como afetada em seu conceito de masculinidade, como se não fosse “homem suficiente” se tiver dificuldades em manter economicamente sua família ou dar prazer sexual a sua esposa, o que leva o homem a se sentir arrasado e infeliz.
Para finalizar a discussão gostaria de salientar uma visão vigente, na qual algumas mulheres se apresentam como esposas ou como amantes, o que provavelmente reflete concepções sobre o feminino que circulam no imaginário social. Como também observamos que tendem a atribuir as dificuldades conjugais a fatores externos à qualidade da relação do casal. Quando a vida sexual vai mal sobrevém o sentimento de incapacidade de despertar o desejo do parceiro. Este dado coincide, aliás, com algo bastante frequente na clínica, verbalizado em termos de "sentir-se um lixo", saindo para as lojas, salões de beleza e cirurgias plásticas. Negando assim, a existência de problemas na relação e a importância da reflexão entre o casal sobre o que não vai muito bem entre quatro paredes.

Paulo Martins é doutor em Psicologia e professor da AEMS/UEMS/FIPAR