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Ficha limpa e o comportamento eleitoral

No dia cinco de outubro deste ano, milhões de brasileiros irão às urnas escolher seus candidatos a prefeito e a vereador. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, válida para as próximas eleições. A citada lei é de iniciativa popular e foi apresentada ao Congresso Nacional após a assinatura de mais de 1,3 milhões de eleitores. Para além da discussão da conduta política e moral de nossos representantes, verifica-se também o comportamento eleitoral brasileiro.

Ressalta-se que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 14, prevê o exercício do voto direto e secreto, obrigatório àqueles que possuam entre 18 e 70 anos. O voto é instrumento fundamental de participação na vida política, além de direito político do cidadão. Como citou Lúcia Avelar, ligada à ideia de soberania popular, a participação política é instrumento de legitimação e fortalecimento das instituições democráticas e de ampliação dos direitos de cidadania.

Diante desse exercício de cidadania, importa lembrar que a preocupação com o comportamento eleitoral no Brasil data de meados dos anos 1950. Uma das teorias que investigam o tema explica os mecanismos de decisão do voto pelo do grau de sofisticação política dos eleitores. O grau de sofisticação política é constituído pela soma de quatro variáveis: o interesse por política, o envolvimento no processo eleitoral, a exposição ao programa eleitoral gratuito na televisão e o grau de informação a respeito dos candidatos. Há uma minoria sofisticada que baseia seu voto na opinião sobre questões diversas e por preferência partidária baseada em informações sobre o partido e o candidato. Já a grande parcela dos eleitores não busca informações sobre seus candidatos, não possui opinião formada sobre os principais assuntos do debate político, tende a atribuir a seus candidatos as qualidades que mais apreciam e possuem baixo grau de consistência ideológica. O eleitor não sofisticado vota, na maior parte das vezes, no candidato que lhe consegue transmitir a imagem de defensor da maioria da população. O marketing eleitoral, assim como a propaganda, ganhou espaço nos últimos anos, contribuindo para formar um eleitor intuitivo, e não racional. As opiniões políticas do eleitorado brasileiro são geralmente marcadas por caráter difuso, pouco estruturado e baixo grau de informação.

Assim, os repetidos casos de corrupção e mau uso da máquina administrativa marcaram o eleitor com fenômenos como o descrédito e a desconfiança em relação à política e aos políticos, além de forte sentimento de ineficácia das instituições. Essas manifestações são responsáveis por levar diversos brasileiros a uma cultura política fragmentada e cética. O eleitor, de uma forma geral, reclama com veemência dos seus representantes eleitos e culpa-os pela má administração pública. Por trás disso, há, porém, a comodidade que a exclusão da culpa proporciona, contribuindo para o esquecimento do autor que elegeu, que escolheu e em quem votou. O voto não é só direito, mas sobretudo dever; é necessidade de ser consciente e fiscalizar.

Dessa forma, a aprovação da Lei da Ficha Limpa confere mais segurança para o processo democrático, além de sinalizar o desejo de transparência e honestidade na gestão dos bens públicos. Como afirmou o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, a lei é um importante passo para a limpeza ética na política brasileira e o STF, ao declará-la constitucional, o fez em prestígio aos princípios da probidade administrativa e da moralidade pública. Ela não será, entretanto, suficiente para dizimar as mazelas do cenário eleitoral e político do Brasil. Os problemas da política brasileira têm raízes mais profundas do que a inelegibilidade de candidatos condenados por crimes graves ou que renunciaram para garantir seu mandato. A iniciativa popular de apresentação ao Congresso da citada lei foi um grande passo, mas, para realizar o ideal de política honesta e de representantes guiados pelo interesse social, é fundamental agir em conformidade com a participação política consciente.

Por fim, a democracia garante direito de participação e responsabilidade pelas escolhas realizadas pelo eleitor. A consciência popular foi capaz de mobilizar milhões de eleitores em prol da lei da ficha limpa. Espera-se que, no primeiro domingo de outubro, o cidadão, ao indicar nas urnas os seus candidatos, possa ter analisado a conduta desses candidatos a homem público que terá de administrar o município com responsabilidade e zelar por ele.

Mariana Marim Alves: Acadêmica do curso de Direito da UFMS de Três Lagoas. E-mail: [email protected]

Silvia Araujo Dettmer: Professor do curso de Direito da UFMS de Três Lagoas/MS. E-mail: [email protected]