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Garcia, o homem que honrava a palavra

Há um mês falecia em Cuiabá um cidadão de gerações de homens públicos que primavam pelo respeito a palavra empenhada – pendor raríssimo em nossos dias. No passado já remoto era o fio do bigode que simbolizava a obediência ao compromisso assumido, legenda que vinha de nossos antepassados e da qual nos orgulhamos diante do caos que é a palavra comumente expressa pelos atuais políticos. Com ele convivi por mais de uma década e, por isso, posso atestar a sua idoneidade política e pessoal. Refiro-me a José Garcia Neto, o último governador de Mato Grosso Uno.
Garcia assumiu em 1976 as rédeas do governo do Estado num momento que se prenunciava o anúncio da divisão territorial do extenso Mato Grosso. Dizia-se que ao anunciar seu nome para governador, o presidente Ernesto Geisel lhe teria dito que sua missão seria a de preparar o Estado para a grande Secessão. Garcia, pelo menos a mim, nunca confirmou tal assertiva e só o fez quando ao meio do mandato, e a chamado do então presidente, lhe foi dada a palavra oficial. Nem antes, nem depois, Garcia deixou de ser o governador de todo o território mato-grossense. Sua administração foi exemplarmente conduzida escoimado ranço regionalista apaixonado, postando-se muito acima das quisilhas intestinas – latente e à temperatura máxima. Compôs seu governo e o manteve até o final com colaboradores convocados de todo o estado, de certa forma até prestigiando a região sul, eis que daqui levou vários de seus principais secretários, como: David Balaniuk, de Campo Grande, para a chefia da Casa Civil, seu mais próximo auxiliar; Edvard Reis Costa, de Três Lagoas, secretário da Justiça; Antonio Alves Duarte, de Dourados, Secretário da Saúde; Carlos Capiberibe Saldanha, de Ponta Porã, para diretor geral do DERMAT; Carlos Dias de Andrade, para diretoria BEMAT. Conduziu para o Tribunal de Justiça os juízes Leão Neto do Carmo, Jesus de Oliveira Sobrinho e Sérgio Martins Sobrinho, vinculados à região sul do Estado. Na Assembleia Legislativa, prestigiou o deputado Paulo Saldanha, de Ponta Porã, para sua presidência; à mim, como líder da bancada e de seu governo. Jamais Garcia deixou à margem do apoio governamental os deputados sulinos, inclusive aqueles da chamada “bancadinha” integrada pelo grupo do ex-governador Pedro Pedrossian, que lhe fazia assídua oposição. Mesmo os deputados do MDB, sob a liderança aguerrida do deputado Carlos Bezerra (que chegou depois a governador de Mato Grosso) o tratamento a eles foi de compreensão democrática.
Sob o aspecto administrativo, Garcia sempre levou na consideração a importância política e econômica de todas as regiões do Estado e, em especial, as aqui do então sul. Muitas foram as gestões do seu governo. Citarei apenas algumas pela sua importância estratégica: o início e a conclusão da segunda etapa da usina do Mimoso, sobre o Rio Pardo, no município do mesmo nome, que permitiu a regularização do fluxo energético da Usina de Jupiá, da CESP (em Três Lagoas) para Campo Grande, então sob o regime de constantes apagões; a conclusão das extensas redes energéticas em demanda para Corumbá, região Sudoeste, Grande Dourados, Cone Sul, Vale do Ivinhema, região da Fronteira (Ponta Porã), região Norte (Coxim e municípios ao longo da BR-163); pavimentação asfáltica de Dourados à Fátima do Sul, Glória de Dourados, Ivinhema, Nova Andradina até a Casa Verde, na BR-267; pavimentação da BR-158, de Aparecida do Taboado, Paranaíba até Cassilândia, na região Leste. Inúmeras obras para escolas públicas, como a conclusão em Campo Grande dos Centros Educacionais Maria Elisa Bocaiúva Corrêa da Costa, no bairro Monte Carlo; Frederico Liebermann, no bairro Monte Castelo; Arlindo de Andrade Gomes na rua Júlio de Castilho, no bairro Santo Amaro; Consuelo Muller, na vila Jaci; Centro Social Urbano, no bairro Guanandi; Amando de Oliveira, na vila Piratininga; Joaquim Murtinho (reforma e ampliação), na avenida Afonso Pena, centro. Todas essas obras, com exceção do Centro Social Urbano, foram iniciadas na administração de José Fragelli, outro governador de profícua gestão, infelizmente pouco lembrado pelas gerações atuais.
José Garcia Neto realizou uma obra administrativa memorável. Politicamente sobrepujava as paixões regionalistas. Sempre dizia – e dele ouvi reiteradas vezes – que respeitava outros pontos de vista (inclusive o meu, francamente divisionista), mas que estávamos cometendo um erro que a história registraria, eis que ,  não sendo filho natural de Mato Grosso, apenas a ele integrado por profundos laços de família e gratidão ao ambiente que o acolheu, a amigos e companheiros políticos, acreditava que a grandeza territorial de Mato Grosso, sua potencialidade quanto a feracidade de suas terras, o empreendedorismo de sua gente o transformaria no futuro em celeiro agrícola, pecuário e industrial do Brasil, portanto, na mais importante unidade da Federação. Sei que Garcia Neto manteve acesa a sua opinião. Não levou-a para o túmulo, deixou-a impávida como testemunho de um estadista, cujo olhar estava fixo no horizonte mesmo que longínquo.
Tenho profundo respeito pela memória do amigo e companheiro de ideais , Garcia Neto; se dele divergi doutrinariamente quanto a questão da divisão de Mato Grosso, jamais me esquecerei do homem público que ele foi, pela fidelidade ao compromisso assumido; pela altitude de sua personalidade isenta de paixões regionalistas; pelo apreço e lealdade aos seus companheiros de legenda; pela sua conduta de respeito democrático aos que se opunham às ações de seu governo; por sua lisura ética e moral.
Nestes momentos em que a Pátria, por todos os seus quadrantes levanta-se de indignação face à atos escabrosos de improbidade que de Brasília se espraiam por diferentes poderes da República, é importante lembrar e reverenciar um Garcia Neto  – homem que honrou sua palavra e sua fé cidadã. Deixou o governo do Estado na modéstia de seus bens, apenas com os parcos proventos de sua aposentadoria como professor da Escola Técnica Federal de Cuiabá, com honra, dignidade e profundo respeito a res pública. Entrou para a eternidade com o louvor e as homenagens de todos os que com ele conviveram, sobretudo os de seus irmãos de coração – os de sua terra adotiva Cuiabá.     

Foi deputado estadual, federal, constituinte em 88, secretário de estado e conselheiro do TC-MS