Chegamos, enfim, ao último trimestre de 2011. Daqui até o final do ano tudo irá girar em torno do Natal. Do comércio à bolsa de valores; da programação de TV ao shopping center; do preço da gasolina ao bacalhau; tudo estará adornado pelos motivos de Papai Noel. No saco, um proposital despertar do dragão da inflação, nuvens escuras de uma monumental crise econômica se agigantando no horizonte da América Latina e o discurso de que o Brasil, o eterno país do futuro, dá passos significativos rumo a algo que já é chamado de “Novo Desenvolvimentismo”. No bolso do brasileiro resta apenas a garfada de mais de R$ 1 trilhão por nossa estratosférica carga tributária. E “naquele lugar”, que por educação e deferência aos leitores é melhor não revelar o nome, uma classe política cada vez mais desqualificada, criminosa e com poucas perspectivas de renovação.
É importante que se diga, reiterando aqui a análise da jornalista Miriam Leitão, o que as autoridades brasileiras vêm fazendo sistematicamente nos últimos anos: no apagar das luzes, o Congresso Nacional faz um “recálculo” do Orçamento da União para o ano seguinte e eleva a previsão de arrecadação, garantindo a possibilidade de inclusão de novas despesas. É o que acaba de acontecer. Com as contas “refeitas”, foram incluídos R$ 30 bilhões nas receitas em 2012. Na prática, o que isso significa? Simples: com essa ampliação na perspectiva de arrecadação, no ano que vem chegaremos a um número assombroso: a carga tributária será de 25% do Produto Interno Bruto (PIB).
Ou seja, ¼ de todas as riquezas produzidas pelo Brasil vão parar nas mãos do governo na forma de impostos ou contribuições. Um verdadeiro soco no estômago da realidade do povo brasileiro, já que não vemos esses recursos sendo francamente aplicados na melhoria dos serviços públicos, na educação, na saúde, na infraestrutura e em tantas de nossas mazelas. Ao contrário, além da carga tributária, o que vemos aumentar é a corrupção, que a presidente Dilma Rousseff decidiu chamar apenas de “malfeito”, na tentativa de minimizar e infantilizar a falta de vergonha na cara da classe política brasileira.
A prova finalística e inconteste de que não existe o menor respeito pelo cidadão brasileiro, e por seu suado dinheiro, veio do “sempre-presente” José Sarney, presidente do Senado Federal e ex-presidente da República. Flagrado pelo jornal Folha de S. Paulo utilizando o único helicóptero da Polícia Militar do Maranhão, estado governado por sua filha Roseana, para viagens particulares à sua ilha privativa enquanto um cidadão acidentado aguardava socorro da mesma aeronave, o senador respondeu ao jornal gaúcho Zero Hora com uma inacreditável justificativa para as mamatas. Nas palavras dele: “Quando esses privilégios foram criados, o objetivo era que os deputados e senadores fossem livres e seus salários não os fizessem miseráveis”. E concluiu, sobre o significado desses “privilégios”: “Estamos homenageando a democracia”.
Nesse troca-troca de significados e significantes, onde a presidente Dilma e sua base aliada tentam colar a ideia de que um político corrupto, bandido, colarinho-branco, não passa de um “pela-saco”, um bobo qualquer que faz “malfeitos”, talvez seja melhor ouvir o cientista político e historiador José Murilo de Carvalho, que propõe, ao invés da expressão “cidadão”, que passemos a falar “contribuinte” ou “pagador de impostos”, porque faz mais sentido, carimba de onde vem o dinheiro que está sustentando os “privilégios” e, quem sabe, apele muito mais ao íntimo de cada um do que ficar falando em direitos abstratos. Até aqui, contrariando o imortal literato Sarney, tudo o que temos é uma nobilíssima homenagem à falta de vergonha… na cara, na vida e à pátria.
Helder Caldeira é escritor e jornalista político