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Ladainhas Habituais

Estas últimas semanas trouxeram fatos ébrios e nefastos para a consolidação do desejo – ainda de poucos – de uma fraternidade desinteressada, responsável e universal.
Não foi necessário sintonizar o televisor nos programas que exibem a violência barata no Brasil. Desde o ponto de vista do percurso humanitário rumo a uma nova escala evolutiva, desastres naturais e desmandos do homem corroboram a tese de que a natureza não suportará por muito tempo.
O exercício singelo de observar a grande geradora vital nos ensina que a derrubada da árvore nos tira a sombra e a liberação de gases contaminantes nos entorpece a respiração. Como se não bastasse a desgraça que incidiu sobre o Haiti na forma de terremoto, o Chile e a Turquia foram assolados por tremores que deixaram nódoas duradouras no concreto e na vida de milhares de pessoas. Até o nordeste tupinica sentiu tremores.
Ainda que o Chile disponha de uma organização mais eficiente que a média latino-americana, desempenho econômico satisfatório e preparo contra abalos telúricos, o estrago foi considerável.
Mãos amigas logo se estenderam ao povo chileno. Enquanto isso, a secretária de Estado Hillary Clinton trouxe da Pangérica as condolências e – como não poderia faltar – a proposta de estreitar vínculos comerciais e culturais com a sempre disposta e escancarada América Latina. A região da alcunha francesa de "Amérique Latine".
Durante a turnê, Hillary sugeriu que o subsídio milionário de seu governo aos produtores de algodão seria revisto a fim de evitar a justa retaliação anunciada pelo chanceler do Brasil.
Abra-se o orbe ao livre comércio, mas desde que a Pangérica obtenha vantagens. As perdas no setor agrícola tupinica foram monstruosas, por isso a Organização Mundial de Comércio (OMC) autorizou a contrapartida de sobretaxação em produtos pangericanos.
No elenco das ladainhas habituais, não se deixa de mencionar o desespero das autoridades da Organização de Estados Americanos (OEA) frente à criação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos na reunião de mandatários da América Latina no México.
Os mal compreendidos governos progressistas manifestam o anseio coletivo de um contexto latino-americano onde a única voz não seja a dos pujantes. Hillary propôs a reconciliação diplomática dos países recalcitrantes da América Latina com o golpista Porfirio Lobo, que assumiu a presidência em Honduras, argumentando a favor da retomada da "democracia". Não importa, para ela, o caminho quando "os fins justificam os meios".
Tão patética esta estadista quanto os que enquadraram a eleição do presidente pangericano Barack Obama como se fosse o prometido para a salvação da América Latina.
Obama está mais preocupado com o interesse dos "Americans", o que é natural frente ao desafio, entre outros, da reforma no setor de saúde tomado pelos progenitores do lucro.
A cultura de retribuição de favor ou dano, que é enraizada no Brasil, converge com a da falta de instrução de um coletivo que come as migalhas da informação.
Na República Dominicana e como não poderia haver desvio do padrão, mulheres foram presas com droga escondida na vagina enquanto visitavam presidiários. Ação criminosa descarada ou necessidade de tratar os drogados como problema de saúde e não de delinquência?
Enquanto o Brasil vive um momento de ineficiência administrativa do Estado e violência exacerbada, as notícias estrangeiras situam o país como uma potência econômica e um lugar prometedor de investimentos. A economia é uma redoma fria e isolada.
O conúbio dos capitaleiros metidos a capitalistas internacionalizados, que já se reúnem entre seus sócios falando mais palavras em inglês que português e espanhol, com o conformismo dos cidadãos nacionalizados enseja as condições básicas para o constrangimento da América Latina.
Já não é mais questão de saber se há propostas viáveis para cada um de seus países senão questionar até onde poderão chegar sem esbarrar na oposição apaixonada e destrutiva.
Chega de ladainhas habituais. Precisamos de um discurso conciso e que nos desperte o ânimo. Brotam pessoas de bem na América Latina.

Bruno Perón é analista de Relações Internacionais