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Lei penal deve seguir princípios elementares do Direito

Quando uma nova lei penal é sancionada, invariavelmente os penalistas têm um calafrio. Em geral, as mudanças são para pior, pela falta de noção de princípios elementares de direito penal ou processo penal. O Direito Penal é um sistema complexo e qualquer modificação legislativa deve ser feita respeitando-se sua coerência.

A falta de visão sistemática do legislador é comum quando uma nova lei aumenta a pena de um determinado crime. É frequente que ele trate esse crime como se fosse uma peça isolada – não um componente do sistema penal, com o qual deve manter harmonia.
 
São inúmeros os exemplos de leis com tais defeitos. Em 1990, com a lei dos crimes hediondos, aumentou-se a pena mínima do estupro de três para seis anos, que é a mesma pena do homicídio simples. Por mais grave que seja o estupro, é absolutamente desproporcional que ele tenha a mesma pena do homicídio. Principalmente, após a reforma da legislação dos crimes sexuais, de 2009, com a qual o conceito de estupro foi ampliado, abrangendo desde um coito vagínico ou anal, até toques ou carícias sexuais, desde que mediante violência ou grave ameaça.  
 
Outra situação que pode ocorrer é o desconhecimento de regras gerais, previstas na lei ou na Constituição, que podem inviabilizar o pretendido rigor do legislador.

Há dois exemplos recentes.

A chamada lei seca pretendia ser mais rigorosa ao estabelecer que o crime do art. 306, do Código de Trânsito, estaria configurado simplesmente pelo fato de alguém dirigir com o nível de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas. Basta constatar o nível de álcool, para que se configure o crime. Ocorre que tal mudança na lei trouxe uma conseqüência: apenas uma forma técnica — o bafômetro ou exame de sangue — pode aferir se o índice de sangue está acima do permitido. E tais exames dependem da colaboração do investigado.

Esqueceu-se, o legislador, que vigora no Brasil um princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si. Desse modo, alguém que se recusa a fazer os exames não pode ser obrigado, tampouco condenado, pois não será possível saber o nível de álcool por litro em seu sangue. Assim, centenas de pessoas que seriam condenadas sob a vigência da lei antiga, acabam absolvidas na vigência da nova. 

Situação semelhante ocorreu com a mudança dos crimes sexuais. Ao unir, no crime de estupro, todo e qualquer ato sexual praticado com violência ou grave ameaça, os legisladores modificaram uma antiga questão. Antes, quem praticasse contra a mesma pessoa, no mesmo momento, um coito vagínico e outro anal, seria condenado por dois crimes: estupro e atentado violento ao pudor, com a soma das penas, que resultaria no mínimo de doze anos para os dois crimes.

Hoje, segundo o entendimento prevalente, o crime seria apenas um, pois ambas as condutas sexuais são previstas como estupro. No exemplo, portanto, o agressor teria a pena mínima de seis anos. Nesse e em outros pontos, os legisladores, que pretendiam ser mais rigorosos, acabaram sendo benéficos.

Como a Constituição determina que a lei mais benéfica deve retroagir, muitos são os condenados por estupro, sob a vigência da lei antiga, que estão sendo colocados em liberdade, beneficiados pela nova lei, embora, evidentemente, não tenha sido esse o desejo central.

Em síntese, se o legislador continuar ignorando que um artigo de uma lei penal não é um corpo isolado, mas uma peça de um sistema complexo, com regras próprias e princípios solidamente construídos, a sociedade será sempre surpreendida por leis que não são capazes de proporcionar o resultado desejado.
 

José Nabuco Filho é mestre em Direito Penal pela Unimep, professor de Direito Penal e Processo Penal da Uniban e de pós-graduação do Centro Universitário Claretiano