Lendo Manoel de Barros vêm-me à mente imagens de um passado não tão distante. A família reunida na fazenda de meu tio em um feriado qualquer, os peões fazendo a sangria dos bois para alimentar a churrasqueira, a festa a correr solta e nós, crianças, a brincar com moldes de argila, retirada da represa que corria ao fundo.
O descanso da tarde convidava-me a caminhar pelos arredores, ora a pé, ora a cavalo, sozinho ou acompanhado pelos primos, enquanto os adultos faziam a sesta. Não muito longe dali estacávamos os cavalos para um refresco na límpida cachoeira, tendo o cuidado de prender o cabresto de nossas montarias em um ramo qualquer, pois o caminho de volta seria longo, se feito a pé.
As noites eram animadas, com o estalar das madeiras em brasa na churrasqueira, que nunca cessava, e que conduzia um aroma característico pelo ar, do qual eu gostava e que ainda hoje me recordo com muita nitidez. O frescor da noite nos convidava à quietude do repouso e dormíamos ao som dos grilos, sapos e outros habitantes desse estranho mundo.
Pela manhã o cheiro do café já me acordava e, à mesa, doces caseiros, leite tirado na hora e fervido, o qual eu sorvia quase de um gole só e, após me refestelar, perguntava a Dondô, peão local, se meu cavalo já estava arriado. “Sim”, me respondia, “tá pronto, faltante só amarrar a barrigueira”. E lá ia eu preparar o animal para mais um dia de andança ou de corrida com quem se dispusesse a tal.
Por vezes ia espiar os adultos pescando na lagoa, atividade a qual nunca fui muito afeito, embora gostasse de apreciar o sabor dos pintados e pacus na hora do almoço, pegos naquela manhã. Outras vezes, avançando a tarde, encontrava algum tio empolgado pelo ritmo das músicas e da festa e ouvíamos um tiro, desferido em direção ao alto. Finda a festança cada um retornava às suas habituais ocupações, na espera de uma reunião próxima.
Imagens que não me fogem da mente de. Mas ficou-me a lição e a memória de dias felizes, resgatados, parcialmente, nas páginas do livro do poeta Sul-Mato-Grossense Manoel de Barros. Sim, Manoel, eu também, em criança, “vi um incêndio de girassóis na alma de uma lesma”.
(*) Fábio Coutinho de Andrade é advogado.