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Licença ambiental para ter filhos

A dificuldade de obtenção de licenças ambientais continua poluindo as relações entre governo e os que procuram obtê-las, dificultando a realização de investimentos de que o País tanto carece. Com a crise financeira e também econômica em andamento, essa carência se agravou ainda mais, pois a ampliação de investimentos é crucial para aliviar efeitos dessa crise e abrir caminhos para sua superação.

O último que vi a se queixar do processo de licenciamento foi o presidente da Vale, Roger Agnelli, num artigo recente (Velocidade é nome do jogo, Folha de S.Paulo, 1º/2), no qual, com razão, enfatiza ser preciso "… definir prazos para a realização de análises, aprovações e implementações das decisões, tanto por parte da área pública como da privada".

Além disso, na revista Exame em circulação chamou-me a atenção uma notícia baseada em estudo da Embrapa, o qual concluiu que 71% do território nacional estaria vetado ao cultivo se obedecidas as muitas leis que surgiram nos últimos anos para proteger o ambiente e reservar terras a minorias populacionais, como índios e quilombolas. Um dos casos irregulares é o da grande produção de arroz do Rio Grande do Sul, porque uma resolução de 2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente transformou em áreas de preservação permanente várzeas onde esse arroz é cultivado.

Nessa e noutra matéria a revista também fala dos conflitos entre as legislações federal, estaduais e municipais de proteção ambiental. É comum que um mesmo empreendimento exija licença dessas várias esferas, nas quais esse conflito acaba segurando o andamento de projetos, além de a passagem pelas três consumir muito tempo e aumentar custos. A revista também lista o assunto entre cinco outros a exigir atenção prioritária do Congresso no trabalho legislativo deste ano. Entretanto, com seu próprio ambiente poluído por outros interesses, o Congresso não mostra um currículo em que se destaque o empenho nesse trabalho.

E o que tem tudo isso que ver com o título deste artigo? Mais uma licença, e num assunto tão delicado? E seria federal, estadual ou municipal? Afinal, não estamos na China, cujas restrições ao crescimento populacional se tornaram inevitáveis e conhecidas.

Ora, em qualquer país do mundo a questão ambiental deve ser focada no ser humano e na sua relação com o meio ambiente. Aqui, no Brasil, todavia, muitos ambientalistas e burocratas que lidam com o assunto só pensam no meio ambiente, deixando de lado os interesses da população, mal expressos pelos políticos que passivamente elege. Mesmo predominantemente silenciosa, ela demonstra de outras formas o interesse na preservação ambiental, mas ao mesmo tempo vê com perplexidade notícias de que estradas, hidrelétricas e muitas outras coisas de que tanto carece levam anos, ou mesmo mais de uma década, para receber seu licenciamento nessa área. Pela notícia da Exame, até o arroz que come está sob ameaça! O feijão que se cuide…

E mais: se esse pessoal fosse ambientalmente coerente naquilo que prega, deveria propor o licenciamento de que fala o título acima. A razão é que o ser humano é o maior poluidor do planeta. Nasce e morre poluindo. Entre uma coisa e outra, vive a causar danos à natureza em função de suas muitas necessidades – algumas, por certo, até discutíveis -, que por azar do planeta crescem quando escapa da pobreza, e aumentam ainda mais quando sua renda cresce.

Assim, ou se segura a coisa também dos lados do crescimento populacional e da renda, num arranjo desastroso, ou é preciso estar mais ciente do fato de que alguns danos ambientais são inevitáveis e da necessidade de que os licenciamentos precisam ser muito mais rápidos. Sem isso permanecerá comprometido na sua intensidade e velocidade o próprio crescimento da economia, que permitiria aos já nascidos e aos que nascerão escapar da pobreza.

No Brasil esse dilema é agravado porque temos também um enorme número de pobres acumulado no passado. Sua saída da pobreza implicaria danos ambientais adicionais, para prover alimentos, moradia, estradas, escolas, hospitais, portos, aeroportos e tudo mais que desejam. Não se fala de uma dívida social de que nossos pobres seriam credores? Para resgatá-la o meio ambiente pagará inevitavelmente um preço!

Mesmo com a população crescendo menos, este ano teremos mais 1,9 milhão de brasileiros. Desde que me entendo por gente, e mais ainda depois de passar a estudar Economia, sempre achei que mesmo não tendo um controle à chinesa o Brasil deveria conter o crescimento populacional com mais educação, maior difusão de informações e serviços de planejamento familiar. Em particular, fazendo com que surgissem mais interessadas. Como isso não foi feito, a população foi crescendo como quis ou mesmo como não quis, particularmente nos seus segmentos mais pobres.

Portanto, temos esse enorme problema econômico-ambiental de prover suas necessidades atuais e futuras, que serão tanto maiores quanto mais pessoas forem resgatadas da pobreza e ascenderem socialmente.

Não sou contra o licenciamento, mas é preciso definir um só ente governamental ao qual recorrer em cada caso. Por exemplo, hidrelétricas de grande potência, governo federal; de menor potência, governo estadual, como sugerido na segunda matéria da revista citada. E mais, que o processo de exame seja rápido e com prazos definidos, tanto para os que o examinarão como para os que serão examinados. Estes, por exemplo, no cumprimento de exigências.

O futuro de quase 200 milhões de brasileiros muito depende dessas licenças. E haverá também os que se unirão a eles à medida que vierem à luz. Ou será necessário pedir licença para isso?

Roberto Macedo é economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA)