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Mais que uma epidemia social

Sem saber como combater a nova epidemia social, segue o crack dizimando famílias, destruído gerações, aprisionando almas e corações pelos centros urbanos e nos mais distantes grotões do Brasil.
A nova praga se alastra e contamina hordas de simples trabalhadores rurais, de pobres coitados nos centros urbanos, de mendigos nas grandes, médias e pequenas cidades, em todas as regiões do Brasil, em cada canto de nosso país. Se não bastasse tão diversificado perfil de usuários, a constatação de jovens de classe média e classe média alta também integram a lista das últimas vítimas da epidemia que se tornou mania entre os adolescentes brasileiros.
É um contingente de usuários tão vasto, que chega a ser difícil identificar e traçar um perfil de como prevenir e tratar os que são acometidos por essa droga sem rosto, sem identidade, que veio para ficar e deixar sua marca no futuro de todo um país.
No interior de Minas, testemunhei a droga chegando e se alastrando na mesma proporção em que os chapéus de palha foram sendo substituídos pelos gorros dos clips musicais americanos. Era uma mudança cultural, substancialmente comportamental. A televisão trazia para a parte esquecida do Brasil uma vida que nunca foi a deles, que não lhes pertencia.
Por outro lado, a droga se revelava como a grande novidade que chegou, como a parte podre de um mundo que eles viam e não viviam, que não lhes cabia. O terreno estava preparado para semear as novas tendências do mundo moderno, aquelas que vendiam sonhos, ilusões e um gosto novo, acessível, de uma ilusória realidade.
Tudo isso, para quem vive à margem dos privilégios do mundo e da sociedade, justificava a nova viagem em que passaram a encontrava resposta no crack, tão barato que em uma baforada ingressava-se em um mundo quase perfeito. Era sedutor demais o que aquele passaporte envolto em papel laminado oferecia aos mais humildes, desprovidos de informação, cidadania e cultura.
Em uma sociedade tão desintegrada, tão vulnerável comportamentalmente e culturalmente como a nossa, a parte mais carente de quase tudo se torna desarmada frente a essas investidas baratas de um mundo sem pátria, sem fronteira, que busca o que não se pode comprar. Hoje, a realidade do crack é a realidade de uma sociedade adoecida, viciada, rendida e vencida. Se uns são seduzidos pelo vazio preenchido pelo nada, outros vão no embalo do modismo, sem saber que muitas vezes essa viagem é sem volta.
Acredita-se em 1 milhão de doentes no Brasil, com chances de recuperação baixíssimas. Um verdadeiro exército de consumidores e aliciadores, muitos a serviço do tráfico, com envolvimento em assaltos e prostituição. É o esfacelamento das comunidades, da convivência social.     
Ainda assim, pouco se ouve sobre essa triste realidade e muito pouco se faz para barrar o mal visível que acomete todas as classes sociais. Problema social, de saúde pública, os relatos envolvendo usuários de crack se multiplicam e, para nosso maior espanto, envolvendo famílias inteiras, pai, mãe e filhos. 
À sombra de um tempo com tantos avanços tecnológicos, constatamos a regressão de uma sociedade adoecida, que caminha sem saber para onde, tendo apenas a desesperança como guia.  
 
Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor