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Mais uma tragédia Sulamericana

“Bolívia? Onde, diabos, fica isso?”.  Assim teriam se perguntado Butch Cassidy e Sundance Kid, dois bandidos inconformados com a agonia do faroeste americano e decididos a irem para a América do Sul, um fim de Mundo sem lei, pensavam. Os dois se afundaram na Cordilheira e lá morreram sob um cerco dos “legales” bolivianos.

 Tal insuficiência em Geografia também foi mostrada pela Rainha Vitória, da Inglaterra, e por Mariano Melgarejo, governante boliviano. Sua Majestade, no afã de um desagravo contra desfeita a um súdito seu, ordenou que a Marinha Inglesa bombardeasse a Bolívia, desconhecendo que o país, já então mediterrâneo, não poderia ser atingido pelo canhoneio das belonaves britânicas. Melgarejo, o mandante da desfeita, intentou lutar ao lado de Napoleão na guerra com Bismarck, uma impossibilidade, a menos que os guapos cavalarianos e infantes andinos atravessassem a Amazônia e o Atlântico.

Entre o último terço do século XIX e o início do século XX, talvez fossem poucas os mapas do Novo Mundo ao sul dos trópicos, mas a Bolívia já existia há muito tempo, descoberta quatrocentos anos antes nas surtidas espanholas pelos confins a oeste da linha de Tordesilhas. Da Bolívia sabiam os Impérios coloniais do Hemisfério Norte, ávidos  das riquezas das minas de prata descobertas em 1545; sequiosos do  salitre que veio a adubar as terras cansadas da Europa; encantados com Potosi, a cidade mais populosa das três  Américas do século XVII.


Tão longo,  infame e continuado saque, combinado com a contradição étnica entre seus autóctones e os descendentes de Espanha, fez a Bolívia assistir passivamente ao conluio entre a sua oligarquia criolla e o capitalismo estrangeiro, uma esbórnia em que Simon Patiño escavou o estanho de sua pátria até a última colher enquanto casava sua descendência com a nobreza européia decadente. Nessa insana corrida pelo declive da ausência de identidade nacional e de visão estratégica, de concordância atávica com o aviltamento e de negação do futuro, a Bolívia veio a ser hoje o pais na América do Sul com a menor renda per capita, a despeito dos seus recursos naturais que, não obstante explorados por tanto tempo, parecem inesgotáveis e ainda despertam grande cobiça internacional.

  Episódios tais os protagonizados por Melgarejo e pela Rainha Vitória seriam pitorescos não desnudassem a tragédia sulamericana, persistente desde Yañez Pinzón e Pizarro, e que agora ensaia reproduzir-se não no Acre, que a Bolívia, por desídia no assegurar seus domínios, perdeu para o Brasil, mas em terras brasileiras ocupadas por populações indígenas reconhecidas como Nações em tratados internacionais chancelados pela ONU e subscritos, também, pelo nosso País. Nesses rincões, o nativo brasileiro é obrigado à triagem e ao pagamento de pedágio para ali transitar, ao contrário de estrangeiros de várias procedências e interesses circulando livremente. Aplicado à situação em apreço o principio de “quem pode o mais, pode o menos”, amanhã essas mesmas Nações indígenas, que já hoje ignoram as fronteiras legais da extensão amazônica, verão reconhecida de sua propriedade parcela ponderável do território brasileiro da qual ora detêm a posse. Mais grave, já nos dias que correm, é a falta de uma projeto nacional e de ações estratégicas que tornem efetiva e afirmativa nossa presença em território que, não obstante vasto e inóspito, é rico e circunscrito pelas nossas fronteiras. Essa renúncia de nossa parte torna propícia na região a atuação de interesses estrangeiros que vão de ONGS com propósitos desatrelados das aspirações nacionais à espoliação externa, de agressões à Natureza sob o pretexto de preservá-la à internacionalização da Amazônia, um prejuízo irreparável para a causa brasileira.

 Um dia, que não vai longe, seringalistas e seringueiros brasileiros ocuparam o Acre. Os aimaras e quechuas, povos dos altiplanos, não levaram a sério tal ocupação. Hoje o Acre pertence ao Brasil. Ironia das ironias, amanhã, quem sabe, os 46% das terras de Roraima, sobre os quais já se reivindicou a transformação de reserva indígena brasileira em território autônomo do nosso país, podem reprisar, nesta nossa América Latina mais uma tragédia sulamericana. Perguntaremos tardiamente: “Onde, Deus, ficava esse pedaço do Brasil?”

Helio Silva é economista e advogado