Redefine-se o mapa das desigualdades. Não se trata mais de entender a sociedade brasileira – e as latino-americanas de modo mais amplo – em função unicamente da concentração de renda, em que se aduz a distinção clássica entre ricos e pobres, senão da concentração de conhecimento, saber e tecnologia.
A atenção desvia-se para as desigualdades no acesso à formação de qualidade, bens e serviços que proveem capital cultural, e artefatos com enorme valor tecnológico que deslizam precisamente na direção dos setores endinheirados. Há uma proporção enorme de pessoas que não logra produzir ou obter estes recursos. O mapa a que me refiro transcende a geografia.
Seria superficial cogitar as desigualdades hoje em dia somente em torno da produção, a circulação e o consumo materiais, como se o mais importante nas estatísticas de desenvolvimento fosse o universo do dinheiro. Um diagnóstico mais complexo exige pensar nos aspectos culturais, educativos, tecnológicos e na capacidade de produzir e usufruir deles.
Em vez de argumentar que o padrão econômico determina o educativo, como se o problema fosse só financeiro, prefiro redesenhar o mapa das desigualdades desde o padrão de acesso ao conhecimento, informação e tecnologia em segmentos diversos no Brasil. A internet, por exemplo, é ferramenta diária para uns, enquanto outros sequer têm computador e quanto menos banda larga.
Os jovens compõem a camada da população que tende a aceitar os avanços modernos dos meios de comunicação como naturais, enquanto os anciãos observam-nos com desconfiança. Estes questionam as interações virtuais, o baixo nível da informação dos canais televisivos de maior audiência, e a falta de atenção governamental na formação dos jovens.
O contorno atual do mapa das desigualdades desenha-se melhor pelos que olham a mudança de época desde um intervalo temporal maior e num contexto mundial, uma vez que é difícil para um jovem imaginar a vida sem vídeo-jogos, computador, internet, celular, iPod, mp3, DVD, entre outras facilidades eletrônicas que a juventude maneja com naturalidade.
Ao lado das desigualdades internas, o Brasil se esforça para equilibrar a balança tecnológica que nos aparta dos países mais desenvolvidos. Há sinais positivos nos setores aéreo, sucro-alcooleiro, e de exploração petroleira de águas profundas, mas os televisores, os acessórios de informática e os equipamentos da área médica ainda são quase todos importados.
Estes bens materiais vêm de algum país em que, não há muito tempo, investiu-se na formação de seus cidadãos a ponto de obter conhecimento e desenvolver tecnologia para inseri-los adiante neste mundo competitivo, como Coréia do Sul, Japão e Taiwan, enquanto tem lugares que confiam demais nos grãos, no etanol e no petróleo.
Na escala de desenvolvimento entre os países, nota-se como os que se situam num patamar superior tendem a investir crescentemente em “poder brando” e no setor de serviços, enquanto a mentalidade industrial ainda anima e resiste como ideal de países inferiores na escala, como Brasil. Neste é motivo de orgulho a inauguração de fábricas com sede noutros países.
Tenho um ligeiro gosto por pensar nas coisas fora do senso comum. Os países do topo do desenvolvimento mundial há muito já superaram esta fase ou crença na industrialização nacional, que se tem relegado aos países de abaixo. Se esta for uma etapa inescusável do capitalismo, estaremos perdidos e definitivamente fadados ao atraso.
As desigualdades econômicas são cada vez mais preocupantes, porém as que maior prejuízo trazem para os rumos de um país se referem ao grau de conhecimento, saber e tecnologia que seus cidadãos possuem, produzem e difundem. É velha a máxima de que conhecimento se traduz em poder, mas novo o desafio de levá-la a sério no Brasil.
Bruno Peron Loureiro é mestre em Estudos Latino-americanos