A maioria das referências aos ciclos da cultura remetem a que há que passar pela produção, a circulação e a recepção. Estas etapas cíclicas podem também levar outros nomes: passa-se de geração à distribuição e logo ao acesso; ou da gestação à transmissão e ao consumo.
Ainda assim, cada etapa, por si só, não se fideliza ao clique, pois uma ou outra pouco informa isoladamente. É preciso um complemento, algo mais.
Não basta produzir filme de qualidade se a única exibição for numa sala de aula como parte de um trabalho escolar ou se a película desdenhar-se no depósito de materiais que não foram selecionados para algum incentivo financeiro de um possível patrocinador. Tem para todo mundo, mas nem sempre como se idealiza.
Contudo, um dia o filme (ou o projeto de filme) também virará clique.
Bastaria que todos os artistas de aptidão exercitassem a arte sem qualquer constrangimento. Porém, uns queixam-se de que não é possível ganhar a vida através deste ofício devido ao baixo reconhecimento da categoria; outros lamentam que o acesso a espaços de exibição se faz mais por critérios econômicos que estéticos.
Resulta que as disputas por aparição, renda e prestígio suprimem o belo e a crítica. Não tardam para que sigam a tendência e cliquem.
A abordagem cultural é um modo disfarçado de falar de tudo sem incidir no estigma da generalização. Quantos de nós já nos perguntamos sobre o que se quis dizer com tal ou qual afirmação, ou ação, ou atitude, antes de que redundassem no clique, a fatalidade que as coisas têm de serem temporariamente cultivadas até virarem hábito.
Assim se sancionam gírias e provérbios, fórmulas de ação e esperança, procedimentos que renunciam ao raciocínio porque tiveram acesso ao âmbito do clique.
Quando se habitua, quem é que desabitua?
Nosso disfarce remete à educação que se transmite de uma geração a outra, cujo (des)valor é viver para e não do dinheiro, e ao modelo de civilização que degrada em vez de condicionar o humano que estará apto ao "planeta em regeneração".
O clique nos devolve uma dívida quantiosa a ser paga em prestações. A primeira é com nossos familiares: como contribuo para o bem-estar da família? A segunda é com a sociedade: estou preparado para pensar e agir coletivamente? A terceira e as vindouras poderão quitar-se, se pagarmos as primeiras no prazo em vez de a prazo.
Temos fluxos constantes de pensamentos que nos impelem a comparar com alguma situação diferente, que é às vezes idílica quando não ingênua, a dor que sentimos. E se não tivéssemos esta imperfeição ou este problema? E se mudássemos completamente de vida? E se realizássemos os sonhos hoje? Não haveria realização.
É bem provável que padeceríamos de dissabores e insatisfações ainda desconhecidos pela tentativa de burlar a conquista ou esquivar as obrigações.
Toda alegria e toda dor têm começo, meio e fim. Toda recepção envolve algo que se criou e circulou. Toda produção espera quem a consuma. Vale a lei de causa e efeito.
O clique, portanto, é a assimilação mecânica de uma experiência já vivida que se reproduz sem meditação. Seu efeito é a mera reprodução e a confiança em que o antecedente tenha atribuído um conteúdo edificante ao clique.
Do contrário, que receberiam os filhos deste planeta senão guerras impiedosas, hábitos insalubres e valores corrompidos? E mais: que herança deixarão aos netos da Terra? Está em suas mãos. Faça sem disfarces. Depois clique com responsabilidade.
Bruno Peron é formado em Relações Internacionais pela Faculdade de História, Direito e Serviço Social (FHDSS) na Universidade Estadual Paulista (UNESP) e é mestre em Estudos Latino-americanos pela Facultad de Filosofía y Letras (FFyL) na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM).