A semana começou com celebridades brasileiras chorando à porta da Polícia e da Receita Federal. Querem de volta seus carrões de luxo, importados ilegalmente. Alguns desses famosos sequer foram encontrados para que seus veículos fossem apreendidos e estão intimados pela Justiça para que entreguem a “muamba”. Todos alegam que compraram seus carros milionários legalmente ou que foram enganados pelos vendedores, mas não há como colar tais escusas.
Nenhum deles pode dizer que foi enganado. Tomemos um exemplo clássico: você sabe que um veículo modelo Hummer, zero quilômetro, é vendido nos EUA, com preço de fábrica, por cerca de US$ 75 mil. Considerando o Imposto de Importação, as tarifas aduaneiras e outras incidências referentes à nossa extensa carga tributária, esse veículo não pode ser comercializado no Brasil por menos de R$ 200 mil. E isso sem contar o lucro de quem o está vendendo. Ou seja, se uma loja lhe oferece um Hummer “zero-bala” por R$ 100 mil, é porque tem troço errado nessa “jogada”. E se você compra, de duas uma: ou você é um otário querendo bancar de espertalhão; ou está morando no paraíso fiscal errado. Em ambos os casos, você está assumindo integralmente todos os riscos por aquele contrabando.
Como esquecer nesse momento o famigerado “Voo da Muamba” de 1994? O episódio envolveu diretamente a CBF e a Seleção Brasileira de Futebol. Na época, tínhamos acabado de conquistar o tetracampeonato na Copa do Mundo dos EUA com o time formado por Romário, Bebeto, Dunga, Branco, Aldair, Jorginho, o goleiro Taffarel e tantos outros que brilharam nos campos norte-americanos. Quando o avião exclusivo da seleção pousou no Brasil, “deu zebra”! A aeronave estava lotada até o teto com 17 toneladas de “compras” da trupe brasileira. Isso mesmo: 17 mil quilos de bagagem!
O então secretário da Receita Federal do governo Itamar Franco era o saudoso advogado tributarista Osíris Lopes Filho. Conhecido por sua excepcional atuação no órgão, chegando a ampliar em 50% a arrecadação tributária sem qualquer aumento de impostos, apenas otimizando os sistemas da RFB e combatendo maciçamente a sonegação, Osíris exigiu que as 17 toneladas de bagagens dos “canarinhos” passassem pela alfândega, cobrando os devidos impostos de importação sobre todo volume excedido, como acontece com qualquer mortal ao chegar no Brasil. Mas a CBF deu uma “carteirada” histórica e exigiu que toda a turma fosse liberada sem os desembaraços aduaneiros, sob ameaça de que os jogadores-ídolos não desfilariam em carro aberto, exibindo a taça da conquista à multidão que os aguardava nas ruas.
Sob pressão, as autoridades brasileiras decidiram pela ilegalidade e autorizaram a liberação dos 17 mil quilos de bagagem sem qualquer fiscalização. Estima-se que só esse ato de sonegação tenha custado mais de US$ 1 milhão aos cofres públicos. Nos dias seguintes ao descalabro, Osíris Lopes Filho pediu exoneração da função de secretário da Receita Federal, alegando publicamente não iria coadunar com aquele “crime de famosos”. Em agosto de 2009, 15 anos depois do episódio, a juíza da 22ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro, Lilea Pires de Medeiros, condenou em primeira instância o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, pelos prejuízos causados aos cofres públicos pelo “Voo da Muamba” da Seleção Brasileira de Futebol.
Agora acontece algo muito semelhante. Jogadores de futebol, cantores, atores, celebridades de todos dos tipos, estão chorando as pitangas porque a Polícia Federal e a Receita apreenderam seus carros de luxo contrabandeados e tentando dar “carteiradas” nas autoridades brasileiras. A maioria argumenta completo desconhecimento de que seus carrões, vendidos por preços infinitamente menores do que são praticados no mercado, eram produtos de importação ilegal. Ora vejam só! São tão ingênuos que imaginaram se tratar de um baita desconto, que em alguns casos chegou a R$ 300 mil. Descontão esse, hein?! Dá-lhe malandragem!
No entanto, o buraco dessa querela é um pouco mais embaixo. Envolve máfias internacionais, contraventores conhecidos e gente graúda não apenas nas revistas de fofocas, mas também em altas instâncias dos governos federal e estaduais. Os carrões supracitados eram vendidos como novos e não eram. As “celebrities” brasileiras estavam comprando carros de “segunda-mão” como se fossem “zero-bala”. Gato por lebre, totalmente! E a legislação do Brasil proíbe a importação de veículos usados, só abrindo exceção para aqueles que tenham mais de 30 anos de uso e que sejam vendidos exclusivamente para colecionadores. Resultado: era tudo muamba! Muamba caríssima, óbvio. Mas, muamba!
Resta saber se a Polícia Federal e a Receita vão conseguir manter a honra de suas ações, não repetindo o crime cometido em 1994 pelo “Voo da Muamba”. Ou será que o secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Freitas Barreto, e o diretor-geral da PF, Leandro Daiello Coimbra, vão permitir mais uma “carteirada” de muambeiros famosos? E se isso acontecer, terão eles a mesma dignidade do falecido ex-secretário Osíris Lopes Filho, pedindo exoneração de suas funções? Duvido muito. No Brasil onde a justiça não funciona, mais vale quem você é, e não necessariamente o que você faz, ainda que suas ações sejam criminosas. Bola pra frente, minha gente!
Helder Caldeira é escritor e jornalista Político