Escrevo este artigo em homenagem aos jornalistas Oscar Rocha, Denílson Pinto, Eduardo Miranda e Nery Kaspari. Todos defensores da exigibilidade obrigatória do diploma de jornalista para o exercício da profissão. Todos gerdames da profissião, prontos a levantar o canudo sagrado para autoproclamarem-se profissionais classe “A”. Todos semideuses. Todos defensores intransigentes de uma idéia de mão única inculcada em suas mentes dentro das salas de aulas como se fosse um mantra sagrado. Rendo-me agora à decisão do Supremo, pois descobri agora que temos outros deuses.
Tivemos discussões ferozes sobre o tema. Perdi todas. Algumas vezes fiquei constrangido. Outras, ressentido. Tanto que no final fiquei de joelhos perante os sábios e esclarecedores argumentos. Passei a ser favorável à obrigatoriedade do diploma. Fizeram em mim uma lavagem cerebral. Era melhor aceitar a tese do que ser reiteradamente humilhado e excluído da turma. Só me importava preservar meu sentimento de pertencimento.
Para provar minha conversão escrevi um artigo manifestando minha nova crença. Eu, que não cursei jornalismo. Eu, que abandonei ao meio uma graduação de história na USP. Eu, que terminei a contragosto um curso de direito na Fucmt. Eu, que decidi ser um autoditada e fugir da academia. Por que agora estou atormentando com o fato de o STF poder tornar obsoleto os cursos universitários de jornalismo espalhados pelo País?
É preciso ser generoso nestas horas. Considero que os cursos são um mercado de trabalho importante e atendem a uma demanda importante de profissionais. Essa gente precisa comprar o leite das crianças. Imagine se todos aqueles que estão nas salas de aula tivessem que correr rumo às redações, assessorias etc e tal. Haveria disputas sangrentas por espaço. Cobra comendo cobra. Estou com medo.
Então, a minha defesa pela exigibilidade do diploma (leiam o excelente artigo do Victor Barone no Midiamax sobre o assunto) passou a ser filtrado pelo senso de humanidade e compreensão corporativa. Ao mesmo tempo passei a acreditar que os cursos de jornalismo ensinavam basicamente uma coisa importante: essa é a profissão mais fácil do mundo. O sujeito não precisa saber nada, ler nada, escrever nada, pensar nada. O jornalista, dentre quase todas as profissões, pode ser uma espécie de ameba, uma coisa neutra, um ser amorfo, vazio por dentro, limpo por fora, vivendo dentro de si mesmo, ignorante absoluto das coisas da vida e do mundo. Existem as exceções, lógico.
Nos tempos atuais, ele precisa saber fazer apenas uma coisa: apertar botões. Navegar na internet e fazer o Crtl C e o Ctrl V. Mais nada. Ele busca os textos alheios e canibaliza-os. Faz colagens. Inverte parágrafos, cola ali e aqui. Descobre novos ganchos para as matérias e, assim, se acha um gênio da raça. Os patrões vibram. O trabalho operacional – ausente de qualquer reflexão – passa a ser valorizado porque tudo é resolvido com rapidez, sem horas extras, com eficiência.
Outra coisa: vejo que os jornalistas (com diploma) aos poucos passaram a adquirir alguns vícios nada republicanos, defeitos abomináveis que eles apontavam nos coitados sem diploma. Muitos “dipromados” estão confundindo as coisas acreditando que jornalismo é apenas um negócio sórdido. Por isso, como não lêem, não tem talento para a escrita, como detestam qualquer coisa que signifique pensar criticamente, passam a fazer traficâncias de interesse juntos às esferas de poder, criando oportunidades para fazer uma negociata aqui e ali, repetindo os vícios dos famosos meninos que levam-e-trazem conhecidos na cidade e nos gabinetes.
Mas nem tudo são espinhos, meus amigos. Mantenham os diplomas pendurados nas paredes. Não os joguem no lixo. Eles podem ser elementos motivacionais. Eles podem, finalmente, tirá-los da cômoda situação que os levavam imaginar que bastava ter um canudo nas mãos para ter o mundo a seus pés. É bom começar a ralar, ler mais, exercer com maior esforço o senso crítico, combater com maior veemência os bandidos das redações ( até porque estes ganharam espaço agradando o patronato com mimos mil).
No mais, devo dizer que a decisão do STF foi sábia e correta. Mesmo porque a exigibilidade do diploma caiu por 8 votos a 1. Este dado é expressivo demais para ser desconsiderado. Quem sabe agora possamos dar um pouco mais de racionalidade ao debate e pensar em cursos suplementares de jornalismo com dois anos de duração ( no máximo) para aqueles que querem exercer a profissão. É simples: o sujeito que se formou em direito, engenharia, economia, odontologia etc., faz uma espécie de especialização para se tornar jornalista.
Sempre digo: jornalismo não produz ciência, apenas reproduz fatos que podem ser científicos ou não. Jornalismo é uma técnica. Ele se molda com a experiência. Ele melhora com o passar do tempo, se o profissional for sintonizado com o mundo à sua volta. Ele é uma atividade que mistura, imbrica, amalgama as noções de negócio com o conceito de valor social. O jornalismo tem um lado empresarial e outro voltado aos interesses da sociedade. O segredo do sucesso é saber se manter sob equilíbrio entre estes dois pilares.
Quando o jornal (ou o jornalista) é corrupto ele abandona a comunidade e só pensa em seu umbigo. Quando ele é voluntarista e acredita que seu papel é salvar o mundo corre o risco de viver de migalhas, acreditando em moinhos de vento. O mundo é cruel. Não há situação confortável para quem decide se sustentar entre o clero e o Estado.
Sei que aqueles que sempre defenderam o diploma – e nutrem imenso preconceito contra aqueles que nunca se preocuparam com isso – estão chateados. Sou solidário nesta tristeza porque sei o quanto professores em sala de aula trabalharam esta doutrinação de maneira quase islâmica. O segredo agora é desprogramar a mente. Esqueça o STF. Estude. Comece lendo o Gay Talese. O resto virá por osmose.
Dante Filho é jornalista e escritor