Em tempos de decisão sobre a constitucionalidade da Lei Complementar 135/2010, batizada como “Lei da Ficha Limpa”, e de sua aplicabilidade a partir das Eleições 2012 (ADC 29/DF, ADC 30/DF e ADI 4578/DF), voltam à tona algumas questões a respeito da improbidade administrativa, diante das discussões atuais e polêmicas acerca da aplicação da “Ficha Limpa” a condenações por atos ímprobos.
A probidade administrativa é valorada pela Constituição Federal, e pode ser vista como uma moralidade qualificada, já que vai além da moralidade que seria comum a todos nós, pois deve estar presente nos exercentes de cargos públicos ou políticos, por haver em sua função o interesse público que justifica tal cobrança especial.
Como se ouve falar, na contramão desse conceito de probidade, está a improbidade administrativa, que qualifica atos de falta de moralidade e desrespeito no trato com a coisa pública, ou seja, atos que lesionam os princípios ou interesses da administração pública, em suas várias esferas.
Os atos de improbidade administrativa estão regulamentados na Lei n. 8.429/92, que prevê três espécies de atos: 1) atos que geram enriquecimento ilícito (artigo 9º) , 2) atos que causam prejuízo ao patrimônio público (artigo 10), e, 3) atos que violam princípios administrativos (artigo 11). Dentre esses atos, os previstos no artigo 9º e 11, apenas se caracterizam no caso de dolo, ou seja, se o agente teve a intenção de cometer o ato. Já os atos previstos no artigo 10, ocorrem diante de dolo ou culpa do agente.
Cada tipo de ato de improbidade administrativa possui sanções específicas, que serão aplicadas de acordo com o caso. No plano da Constituição têm-se quatro tipos de sanções: 1) Suspensão dos direitos políticos (enriquecimento ilícito: 8 a 10 anos; lesão ao erário: 5 a 8 anos, violação a princípios: 3 a 5 anos); 2) Perda da função pública; 3) Indisponibilidade de bens ilicitamente acrescidos; 4) Ressarcimento ao erário. Na perspectiva da Lei 8.429/92, têm-se outras quatro previsões de sanções: 1) multa civil (enriquecimento ilícito: até 3 vezes o valor do dano; lesão ao erário: até 2 vezes o valor do prejuízo, violação a princípios: até 100 vezes a remuneração do agente); 2) perda dos valores ou bens acrescidos; 3) proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais (enriquecimento ilícito: 10 anos; lesão ao erário: 5 anos, violação a princípios: 3 anos).
A respeito da aplicação da Lei da “Ficha Limpa” a tais atos ímprobos, vem sendo alardeado que o condenado por improbidade, seja por decisão transitada em julgado (aquela da qual não cabe mais recurso), seja por decisão colegiada (ainda que passível de novo recurso), estariam sujeitos à Lei, portanto, seriam “Ficha Suja”, ou seja, em linguagem técnica, estariam inelegíveis para registro e para concorrer às eleições.
Tal conclusão não deve ser considerada como a mais correta, considerando que a Lei 135/2010 possui previsão muito mais restritiva, já que em seu artigo 1º, inciso I, alínea “I”, traz a informação de que serão inelegíveis, para qualquer cargo, os que forem condenados À SUSPENSÁO DOS DIREITOS POLÍTICOS, por ato DOLOSO de improbidade administrativa que importe LESÃO ao patrimônio público e ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
Ou seja, não se aplica a “Ficha Limpa” a qualquer ato de improbidade, não a qualquer condenação por improbidade. A Lei é restritiva, e não generalizada, por ser clara que o réu, para se tornar inelegível, tem que ser condenado especificamente à sanção de suspensão dos direitos políticos, e não a qualquer sanção de improbidade das que estão previstas na Constituição e na Lei 8.429/92, citadas anteriormente. E ainda, não basta a condenação a qualquer tipo de ato de improbidade.
Na realidade, as regras da “Ficha Limpa” se aplicarão apenas aos condenados por improbidade administrativa (por decisão final ou colegiada), cuja condenação apresente três qualificativos: tem que ser ato doloso (culposo não se enquadra na Lei), tem que ter gerado lesão ao patrimônio e enriquecimento ilícito, e ainda, é necessário que o réu tenha recebido a sanção de suspensão dos direitos políticos.
Em conclusão, nem todo réu de improbidade pode ser considerado “Ficha Suja”, nos termos da Lei 135/2010. Tal conclusão pode parecer partidária ou de defesa de réu, mas não se pode esquecer a importância de que a aplicação de uma lei respeite a interpretação que sua redação impõe, para que sejam evitadas decisões ilegais justificadas em deturpado entendimento de fim social.