Está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição 505/2010, que tem por objetivo pôr fim à aposentadoria compulsória, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, aplicada como penalidade administrativa aos juízes que cometem infrações graves. A justificativa oficial é acabar com esse “verdadeiro prêmio para os magistrados corruptos”.
É evidente que existe uma contradição na ideia de punir alguém com aposentadoria. Todavia, no caso da “aposentadoria compulsória” aplicada aos juízes infratores, a contradição é apenas aparente, pois não se trata de aposentadoria no sentido próprio da palavra. A tal “aposentadoria” não é um benefício que se incorpora ao patrimônio do juiz infrator, mas condição precária, que perdura até a decretação da perda do cargo por sentença judicial.
Os três Poderes da República se definem não apenas por suas atribuições constitucionais, mas pelas garantias conferidas a seus membros para o desempenho independente e destemido dessas atribuições. Dentre tais garantias, a Constituição Federal estabelece procedimentos específicos para a perda do cargo. Existe, assim, para a magistratura, a garantia da vitaliciedade, segundo a qual os juízes de primeiro grau aprovados em estágio probatório e os juízes dos tribunais somente podem ser destituídos de seus cargos por sentença judicial transitada em julgado.
A vitaliciedade justifica-se pela necessidade de preservar o magistrado de pressões internas exercidas pelo próprio tribunal a que esteja vinculado. Essa garantia tem por objetivo assegurar a independência dos juízes honestos, mas não alinhados com a cúpula do poder a que pertencem. A "aposentadoria compulsória" é, portanto, na verdade, o afastamento do juiz até a apuração definitiva de sua responsabilidade em processo judicial.
Se o que define um poder não é apenas o conjunto de suas atribuições, mas as garantias das quais seus membros estão revestidos, qualquer tentativa de abolir as garantias da magistratura é também uma tentativa de pôr fim ao próprio Poder Judiciário enquanto poder. É tentar fazer do magistrado um mero burocrata, com o título e as atribuições de juiz, mas sem a independência necessária para decidir como juiz.
Não deixa de ser curioso que apenas agora, no momento em que o Judiciário dá os sinais mais claros de estar cumprindo efetivamente o seu dever constitucional de contenção do abuso do poder político, surja a “necessidade” de rever uma de suas garantias mais importantes.
Sem um Judiciário independente, qual outro poder estará em condições de punir políticos corruptos, combater o crime organizado, contrariar interesses econômicos ou julgar imparcialmente os interesses dos cidadãos comuns? O fim da garantia da vitaliciedade não é apenas um problema dos juízes. Se a PEC for aprovada, os verdadeiros prejudicados serão os cidadãos brasileiros.
*Caio Moysés de Lima é juiz federal