Diante da aprovação, sem debate com a sociedade, da Lei nº 8.242 de 31/03/2016, autoria do vereador Paulo Siufi, inspirado em matéria velha, cabe revisitar artigo publicado em dezembro de 2014, nesse espaço.
Causou espécie a iniciativa do vereador Alceu Bueno “propondo uma suposta “Escola sem Partido”, nome do seu projeto, acompanhado de extensa justificativa eivada, principalmente, de viés moral-religioso, segundo o qual o primado da família deve se sobrepor à orientação laica da educação pública.
Como profissional do magistério e cidadão, concordo que não cabe aos docentes praticar qualquer espécie de proselitismo, já que sua função primordial é formar a criança, o jovem ou o adulto com vistas a alcançarem a autonomia intelectual necessária para procederem a escolhas informadas e, desse modo, posicionarem-se conscientemente diante das inesgotáveis questões contemporâneas.
Há de se considerar, entretanto, a natureza do trabalho do “professor” que para exercer seu ofício precisa “professar” valores. Ele não é artífice da instrução, do adestramento, nem manipulador de corações e mentes, mas sim educador, incumbido da condução dos estudantes, mediador na busca daquela imprescindível autonomia.
Cabe aqui lembrar a responsabilidade inexorável imputada ao educador, pois, como bem elucidaram Bourdieu e Passeron, o ato pedagógico é, por definição, um ato de “violência simbólica”; quem conduz sempre deve conhecer a finalidade pretendida, enquanto o estudante ou aluno (“alumno”= sem luz) é conduzido sem a mesma consciência.
Portanto, é também inexorável a desigualdade entre as posições do professor e do estudante, podendo, com frequência, acontecer a ascendência do mestre sobre o discípulo. Mesmo sem a intenção de “fazer a cabeça” de ninguém, o docente acaba por se constituir em espelho no qual muitos estudantes se miram, sobretudo os jovens, tentando imitar o seu modelo. Até quando provoca a aversão, ele se mantém uma referência, agora como anti-modelo. Seja como for, a responsabilidade do professor se torna redobrada diante dessa função especular.
Outro aspecto singular da profissão é a “liberdade de cátedra”. Por maiores que sejam as tentativas de restringi-la (a instituição da ‘supervisão escolar’, nos anos 70, visava servir aos interesses da Ditatura no controle dos professores e de seu trabalho) jamais será possível cerceá-la completamente, porque ainda não se inventou mecanismo capaz de apreender toda a riqueza vivenciada por professor e estudantes durante uma aula. Não há plano de ensino, relatório ou qualquer outro recurso burocrático que dê conta do ato pedagógico, esse fenômeno transcendente, interação viva entre pessoas vinculadas por um propósito comum, por meio da qual, todos se humanizam cada vez mais e sempre, em direção à autonomia e, em última instância, à liberdade, porque a educação, assim entendida, é, em sua essên cia, libertadora”.
Então, quando se lê Lei 8242/16e a sua justificativa, aprovada pelos vereadores de Campo Grande, à exceção de Luiza Ribeiro e Eduardo Romero, o estarrecimento é inevitável. Além de inócuo, inaplicável, descabido, revela sectarismo que em nada contribui para a coletividade, pois, todos os fanatismos são nocivos; todos os moralismos, hipócritas; todos os patrulhamentos, estéreis.
Senhores vereadores, enxerguem-se primeiro a si mesmos, conheçam os deveres inerentes ao político honesto; dignifiquem a Casa, tratem das muitas questões que realmente interessam à população campograndense e deixem de criar factóides para desviar a atenção do eleitor. E hora de acabar com tanta demagogia e retrocesso. Ao trabalho!
*Paulo Cabral é sociólogo, professor, membro do movimento Por uma Cidade Democrática