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O cerrado é nosso!

“55 dias em Pequim” é uma superprodução hollywoodiana de 1.963, estrelada por grandes artistas da época. O filme é uma versão romanceada dos acontecimentos na China de 1.900, então dormindo o sono recomendado por Napoleão, mas convulsionada por dissensões internas e governada por uma rainha aturdida com a desordem institucional e a revolta dos nacionalistas contra a presença estrangeira em Pequim. Ver “55 dias em Pequim” é deliciar-se com a beleza de Ava Gardner, render obrigatório tributo à interpretação de David Niven e entediar-se com a canastrice de Charlton Heston no papel de um major “marine” com ares de “cowboy” e que, comandando uma tropa rota, vence todos os combates em que intervêm, deixando atrás de si, na versão pró-Ocidente ali mostrada, um país aparentemente inviável e butim a ser partilhado por japoneses, italianos, britânicos, russos, franceses, alemães, americanos e austro-húngaros.

Butim? Como diria o Veríssimo, ledo e ivo engano! Antes mesmo que Hollywood fizesse seu “mea culpa” e deixasse de projetar a índole americana do “Destino Manifesto” e da cultura do “big stick”, a China viria  provar – e comprovamos hoje – que não só a Grande Muralha é uma realidade visível até do espaço. Lá do alto ou mesmo de qualquer quadrante aqui da Terra, vê-se que a China é um Império de fato sob todas as óticas, inclusive aquela de Napoleão. Pouco se fala, contudo, das condenações à morte em julgamentos sumários, as famílias das vítimas obrigadas a pagarem a munição utilizada nos festins de horror das execuções. Contudo, muito se fala, porque impossível negar, da mega presença da China na cena mundial e de sua abdicação do socialismo de mercado em favor do chamado capitalismo convencional, responsável pela privatização de mais 70% de sua economia; não bastante, as grandes reservas em moeda estrangeira, produtos industriais de baixo custo em decorrência de mão de obra barata e tributação branda e elevado índice de alfabetização da população jovem. Enfim, ao que se diz e mais que Napoleão previra, a segunda potencial mundial.

 É claro, o surto de liberalismo chinês é uma moeda de duas faces em um país de dimensões continentais e grandes disparidades  regionais, disparidades essas acentuadas pelo acelerado processo de urbanização, pela generosidade fiscal sobre a produção e por indicadores demográficos desfavoráveis decorrentes da política pública de “apenas um filho” por família e,  no aspecto previdenciário, do aumento da expectativa de vida.

 Eis, pois, a China de hoje, bem diferente daquela do filme e que não é, necessariamente pelo seu tamanho e pelo que, minimamente, poderia significar seu deslocamento à velocidade inercial, solidária com seus comunitários dos “brics”, o Brasil em particular. Enquanto o Brasil busca afirmar-se como potência emergente, a China se mostra um Império que, obrigatoriamente pela sua natureza e estratégia, finca fronteiras além de seu território, além mar e além continentes, em qualquer direção e em qualquer território onde possa suprir-se em suas necessidades.
 

 É o caso da compra de terras pela China, com grandes extensões já adquiridas na África e em países fora do continente africano, entre os quais Argentina e Peru, aquisições essas, de natureza estratégica, pois destinadas ao suprimento de produtos básicos para a enorme população chinesa, agora desfrutando de significativo crescimento econômico e com uma urbanização envolvendo milhões de pessoas. Essa avidez inevitável e inadiável mira agora o Brasil e já se tem noticia de que investimentos chineses superiores a 11 bilhões de dólares demandam projetos em território brasileiro que vão da siderurgia à construção do trem bala. E a coisa não para por aí. A China National Agricultural Development Group Corporation planeja comprar terras para cultivo de soja e milho no Oeste brasileiro, na Bahia e no cerrado da região do Mapito (Maranhão, Piauí e Tocantins). É possível imaginar quão extensas serão essas glebas (nada impossível que alcancem o cerrado sul-matogrossense) e quanto sua exploração e controle estarão subordinados ao interesse estratégico de uma potência estrangeira, a China, não importando quem a represente aqui e com qual nome de fachada.

 Napoleão,se vivo, nos alertaria: “Acautelem-se!”

Hélio Silva, é economista e advogado.