Dilma Rousseff se tornou uma política de fato. Não por acaso, incorporou a mentira ao palavrório palaciano habitual. Talvez nem Freud fosse capaz de encontrar explicações para tal relação torpe. Mas as distorções da democracia brasileira são terras férteis – amplamente adubadas – para que brote essa mescla terrível: política e mentira. E o que é pior: na sociedade há um manancial inesgotável de cidadãos dispostos – ou socialmente predispostos – a acatar, abraçar e propalar candidamente tudo que há de enganoso na engenharia política.
O PT – assim como seu principal rival, o PSDB – tornou-se especialista na arte de ludibriar a massa eleitoral. Criam factoides, expelem neologismos, inventam estórias e histórias para o Brasil. A tal militância se encarrega de prestar os serviços de títeres. Bonifrates de bandeira na mão. Por fim, grosso modo, o povão ainda é ignorante – e me perdoem a má palavra, ainda que pertinente – e topa trocar a realidade analítica por uma “verdade verdadeira” propalada por uns e outros de “colarinho branco”. Justo por isso, dona Dilma aceitou ser “interrogada” por quatro jornalistas de uma revista de circulação nacional conhecida pelo forte e tendencioso oposicionismo, a quem o ex-presidente Lula, burlesco, se referia apenas como “Óia”.
Nessa “oportuna” entrevista, Dilma deitou falatório. Garantiu que o governo brasileiro não está se enfiando no perigoso protecionismo; afirmou que vai reduzir impostos; afiançou que não há uma crise institucional em curso; disse que não gostou da expressão “faxina ética” por puro preconceito: “se o presidente fosse um homem vocês falariam em faxina?”, afirmou, na certeza de que a memória fraca do povo brasileiro chancelaria sua questão sexista, esquecendo “a vassoura” de Jânio Quadros e “a limpeza” dos marajás de Fernando Collor de Mello, ainda que propostas igualmente iníquas; foi taxativa quanto à legitimidade do processo democrático de vitórias e derrotas do Executivo no Congresso Nacional, fingindo ter ela a memória fraca, incapaz de assumir a excrescência do mensalão, da compra de apoios em votações importantes, do fisiologismo e do troca-troca de “favores políticos”. Mentiu, tão somente.
No discurso ilusório, Dilma Rousseff apostou que o Brasil realizará a melhor Copa do Mundo de todos os tempos, mas fingiu um lapso ao não comentar que o último campeonato, na África do Sul, custou algo em torno de R$ 7 bilhões e, por aqui, seu governo já tem estimativas de gastos na casa dos R$ 70 bilhões. Também desconsiderou que 1/3 de seus 37 ministros estão sob acusações de corrupção, desvio de dinheiro público, tráfico de influência e outros crimes que deveriam ser tratados legalmente como hediondos. No mais recente, nomeou para titular do Ministério das Cidades um político que, quando deputado estadual, utilizou quase R$ 137 mil em tratamentos de saúde pessoal e da família e que, segundo conclusão da auditoria do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, eram recursos destinados ao contingente de cidadãos paraibanos carentes. Ainda sim, Dilma mentiu: “Não vou transigir com corrupção”. Vai sim! Já está.
No final desse “disse-que-disse-que-disse-nada”, um dos “oieiros” questionou em quais momentos Dilma percebe fazer a diferença por ser uma mulher na Presidência da República. A resposta foi de uma singeleza interessante: “Quando eu acordo de manhã e me vejo no espelho!” e seguiu o palavrório politiques falando às “mulheres simples desse Brasil”, aquelas que “a enxergam como símbolo de emergência e ascensão” e que param pra conversar com a “presidenta”. Talvez, se dona Dilma fizesse caminhadas reais – e não politiqueiras e “inaugurativas” – pelas ruas desse “Brasilzão”, teria a oportunidade de ouvir o que o povo – e a “pova” – tem a dizer.
Infelizmente, agiganta-se no horizonte da “presidenta” um crepúsculo. Não por ser uma “chefa” autoritária e temperamental, ou por ser petista, muito menos por ser mulher. Foi-se o tempo em que expressões compostas, posturas aprumadas e dedo em riste garantiam o poder de decidir, coordenar e agir. No Brasil, a governança minimamente séria e competente precisa, em primeiríssimo lugar, colocar fim na corrupção, na bandalheira, no desvio. Ninguém, até hoje, foi capaz de tal proeza real. Tampouco dona Dilma. Há quem acredite, inclusive, ser impossível essa tarefa, já que arraigada à cultura brasileira. De uma coisa podemos ter certeza: não será a farsa – o discurso ideológico-ficcional, de estímulo e apelo vagos e aleatórios – que salvará a presidente do “lusco-fusco político”. Também não é por acaso que a linha do horizonte é uma retumbante pareidolia.
* Helder Caldeira é escritor, jornalista político, palestrante e conferencista.