Quando morreu o eterno presidente do Brasil moderno, Juscelino Kubitschek de Oliveira, no distante ano de 1976, foi encontrado no bolso de seu paletó o recorte de um artigo de jornal assinado pelo jornalista Carlos Chagas, intitulado “Brasília não vê JK chorar”; o Brasil também não.
Juscelino foi um clandestino em seu próprio país. Viveu seus últimos anos um exílio permitido, consentido, monitorado; um martírio diário. Quando voltou ao Brasil em 1967, era um exilado na Europa, foi proibido de ir a Brasília. Estava condenado a viver no “pau de arara” da saudade, sem ver sua própria filha – assim ele se referia a Brasília: “minha filha”. Havia um sadismo militar no ar. E a intransigência era tanta que, durante o governo Médici, ele voava certa vez próximo a Brasília quando o avião entrou em pane por superaquecimento. Era uma situação de risco e o piloto pediu à torre de comando a permissão para pousar no aeroporto do capital federal. Perguntaram quem estava a bordo. O piloto falou com convicção: “o presidente JK”. A autorização foi negada. O avião teve que descer em uma pista improvisada, particular, dentro de uma fazenda. Ainda assim, JK escolheu como última morada os arredores de Brasília, o município de Luziânia. Queria sempre estar no coração do Brasil.
De lá mirava o clarão noturno de Brasília e divagava sobre o país que só existia nos seus sonhos. O Brasil trocara os brindes das noites modernas pelas noites das cancelas, o sorriso pelo medo, o aceno fraterno pelo puxar do gatilho. Brasília é uma obra do tempo. Se fosse construída hoje, simplesmente não existiria, pois o IBAMA não daria autorização para a sua construção.
Em 1972, quando não suportava mais tamanha saudade, Jk foi visitar Brasília, dentro da boleia de um caminhão. Como Deus o poupou do sentimento do medo, Juscelino saiu de sua fazendinha em um velho Ford, sabia que dentro de um caminhão seria um caminhoneiro, um brasileiro, um peão. E peão não é gente, é um esquecido, um ignorado. Para aumentar a figuração, colocou um chapéu de palha. Juscelino passou pelo Palácio da Alvorada, foi à Catedral, que ainda não conhecia – não teve tempo de ver sua estátua suspensa no ar, acima de tudo, com seus braços estendidos para eternidade – passou pela Praça dos Três Poderes até ver ao longe a esfinge de seu rosto. Ali, pediu ao motorista que parasse. Desceu despido de seu disfarce, era ele mesmo, o menino Nonô de Dimantina que sonhou um novo Brasil, sentou-se a um canto e se pôs a chorar. Chorou compulsivamente. Naquele exato momento começou a chover. Brasília chorou ao ver Juscelino, era a saudade do que não existia mais. JK chorou por ele, por nós, pelo futuro, por tudo, por todos. Ali, pai e filho, criador e criatura se tornaram um só, e as gotas das lágrimas dos homens e dos céus se fundiram e foram levadas pela enxurrada, para a vala comum das grandes frustrações humanas, para a sarjeta da história.
* Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor