Veículos de Comunicação

Opinião

O escalpo das araras

Só o jornalismo obtuso e gente de mau caráter aproveita a morte de alguém com o carimbo de “excluído social” na testa para criar uma narrativa épica visando enaltecer a transgressão legal. O que se viu depois da morte do “guerreiro” Oziel Gabriel, índio terena de 35 anos, na ação policial na Fazenda Buriti, em Sidrolândia, foi uma mistura abjeta de oportunismo e picaretagem midiática sobre o desfecho de uma tragédia anunciada.

 
Na minha modesta opinião, da mesma forma que observo na TV a morte de um traficante que demarca seu território numa favela e enfrenta um tiroteio policial, num ato de desafio à lei, analiso, vejo, da mesma maneira, o processo demarcatório fajuto que justifica invasões de terras em várias regiões do Estado por pessoas com alto grau de ressentimento psíquico.
 
Quem resiste armado a uma ordem da justiça de reintegração de posse deve ter consciência de que pode matar e morrer, estando, neste momento, sob os auspícios de sua própria decisão e responsabilidade. Não há heroísmo nisso. Só burrice mesmo.
 
Não há que se criminalizar ninguém. A tragédia faz parte do jogo. Imagine se o terena Oziel, na área de conflito, atingisse um policial com uma flecha na testa e o matasse? Para jornalistas birutas esse seria um ato heroico. E a família da vítima (policial) deveria se sentir honrada e agradecer a comunidade indígena pelo fato de o homem ter sido morto por um “guerreiro”.
 
Só pessoas muitos estúpidas imaginam que a vítima é sempre aquela que usa penacho na cabeça e tem a cara pintada. No Estado Democrático de Direito a lei é universalizada exatamente para que a sociedade adquira um amadurecimento mental para que, assim, se evite a criação de mitologias que invertam os valores das coisas: bandido é bandido em qualquer circunstância. Se decidir enfrentar forças policiais que corra os seus próprios riscos.
 
A frase de que herói bom é herói morto serve apenas à necrofilia ideológica de figuras que insistem em ecoar os bumbos do Brasil arcaico. Como sempre acontece nestes casos, muitos se manifestam indignados e revoltados com o único propósito de se mostrar gente fina, ongueiro de Ipanema, sensitivos da nova era, esquecendo-se de fazer o mesmo quando garotos e garotas são assassinados por motivos banais por esse Brasil afora.
 
Claro que nestes casos essa turma não se manifesta efusivamente porque a vítima não carrega a insígnia mítica do excluído social. Só vale cacarejar sobre quem morre lutando contra as iniquidades de sua classe, raça ou etnia. Ou seja: a esquerda de boutique é seletiva na escolha de seus mortos.
 
Quando a vítima é um sujeito de classe média, homem comum, tudo bem, ele mereceu, estava no lugar errado e na hora azarada, mas quando morre um “guerreiro”, aí essa tese não vale, todos consideram o acontecimento "inaceitável", surgem os protestos militantes, a culpabilização social, a histeria infrene daqueles que imaginam que vão salvar o planeta.
 
Tenho fontes na Polícia Federal. Gente que entende de balística. Em off eles dizem que o armamento das forças policiais tem balas de impacto. Elas não perfuram o indivíduo atingido. Somente armas de baixo calibre tem efeito perfurante. O tiro que atingiu o índio Oziel no tórax entrou e saiu. Pergunto: e se ele foi morto por fogo amigo, fruto de uma bala perdida? Que discurso os revoltadinhos vão fazer se isso for confirmado?
 
Só que essa pergunta vai demorar a ser respondida. O Ministro da Justiça Eduardo Cardozo deve ter essas informações nas mãos. Mas sabe que não é o momento de leva-la a público, pois acenderá ainda mais os ânimos. Por enquanto deve prevalecer o processo de vitimização, pois assim fica mais fácil administrar a catarse de quem luta para o que Brasil seja administrado pelo cacique Morubixaba.

*Dante Filho é jornalista