Lidice Meyer *
Um ano atrás, cartas foram trocadas entre o mais alto posto da hierarquia da Igreja Católica e os altos postos governamentais de duas nações envolvidas em um conflito histórico. O conteúdo dessas cartas permanece sigiloso, exceto para seu remetente, Francisco e seus destinatários: Barack Obama e Raul de Castro.
Palavras que mudaram posturas de anos. Palavras que abriram caminho para uma possível retomada das relações diplomáticas entre estes dois países.
Apesar de ser o terceiro papa a visitar Cuba, sendo precedido por João Paulo II, em 1998 e Bento 16, em 2012, em Francisco repousa a esperança de muitas mudanças. As conversas entre o pontífice, Fidel e Raul Castro também não foram divulgadas pela imprensa. Mais uma vez, as palavras trocadas em gabinetes permanecem no conhecimento apenas dos envolvidos.
Nas missas públicas, as palavras foram de estímulo ao perdão, reconciliação e serviço ao próximo. Através da máxima: “Quem não vive para servir, não serve para viver”, Francisco conclamou ao povo cubano a atentar para que as mudanças socioeconômicas não os afastem da prática da caridade.
Agora, o papa vai aos Estados Unidos levando com ele a esperança de mudanças políticas, econômicas, sociais e religiosas.
Francisco se faz mais que um embaixador do Vaticano. Faz-se um instrumento de reconciliação, um canal reunificador de dois mundos que, de tão separados, são quase opostos. As palavras do Pontífice, ditas com sua conhecida simplicidade e sabedoria, são revestidas do poder da sacralidade de sua pessoa, mas também trazem um grande peso de responsabilidade. Os olhos e ouvidos do mundo se voltam para este senhor de cabelos grisalhos na expectativa de um milagre.
O milagre da palavra que revivifica, que tem o poder de ressuscitar a esperança de um futuro melhor para o povo cubano, dando voz àqueles que há tanto estão emudecidos pelo embargo econômico e pelos entraves políticos.
Ficam, porém, as perguntas: Poderão as palavras de Francisco romper as barreiras que separam um grande ícone do socialismo do representante da maior nação capitalista do mundo?
É possível que o caminho para o diálogo entre o líder agnóstico cubano e o líder protestante norte-americano seja aberto por um representante da igreja católica?
O que este diálogo tão esperado poderá trazer de consequências para os dois países e sobretudo para seus habitantes?
Qual o verdadeiro papel da religião ou da religião católica nestas conjunturas?
* É doutora em Antropologia, Pós-Doutora em Antropologia e História. E, também, docente da Pós Graduação em Ciências da Religião na Universidade Presbiteriana Mackenzie.