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O poder invisível

Uma das características mais marcantes da existência do poder é a sua visibilidade. Qualquer que seja sua fonte, política, econômica ou até delinquente, os submetidos tem que saber que ele existe e quem é que manda. Para o Poder Público, então, quanto mais claro é o seu exercício, maior garantia terá a coletividade, pois só assim, poderá buscar proteção quando ocorrer algum abuso. Aliás, para o Estado Democrático de Direito, um dos princípios que o garantem, é o da Publicidade, não essa que infesta a mídia, mas que somente faz a propaganda do governante ou de seu candidato ao próximo pleito. A visibilidade exigida por esse princípio é aquela que obriga a clareza dos atos públicos e/ou políticos, com sua publicação em órgãos oficiais.

Um país será, então, mais ou menos democrático e de direito, quanto maior for seu compromisso com a visibilidade de seus atos. A abertura de suas contas, de seus contratos, das decisões, mesmo as mais corriqueiras, devem estar à disposição de todos os órgãos de controle e, principalmente, da sociedade, a destinatária final de todos os atos públicos, e a única responsável pela manutenção de todo o aparato estatal, pago pela enorme carga tributária que lhe é imposta.

No Brasil, todavia, embora tenhamos uma constituição que aponta para a existência de um Estado Democrático de Direito, na prática, quanto ao exercício do poder, este, em inúmeras manifestações, ocorre na mais completa penumbra, sem qualquer fresta de claridade, só é visível entre aqueles intimamente acostumados à escuridão. Os conchavos políticos, a nomeação de ocupantes de cargos importantes e estratégicos, as contas públicas, os processos de licitação, as pressões de um poder sobre o outro, são exemplos inequívocos da presença dessa invisibilidade danosa.

Acontecimentos recentes demonstram esse comportamento preferencial de muitos homens públicos. O castelo do deputado e a mansão do diretor geral do Senado, feitos de concreto e argamassa, foram construídos e depois visitados por inúmeros integrantes da cúpula estatal. Talvez para justificar a ignorância sobre essas propriedades, digam eles que elas foram construídas à noite, bem como as prováveis festas nelas realizadas.

Hoje, o agente público, gestor ou não, que pretender manter a mais ampla transparência, dentro do regramento legal, exercendo suas atribuições com isenção, não aceitando a força do poder invisível, manifestada por intermédio da pressão política, do compadrio, do lobby, do corporativismo prejudicial às instituições, acaba até ficando isolado. É patente a vocação de uma certa maioria, pelos caminhos dos subterrâneos. Sem qualquer pudor, comunicam-se, unem-se em uma verdadeira confraria. Alguns mais arrojados, às vezes saem da penumbra e, pela força de seus cargos e da influência que possuem, às claras, mantém esse mesmo comportamento, sem qualquer constrangimento. São verdadeiros déspotas! Nada os intimida, nem mesmo a opinião pública de uma pequena parcela da população esclarecida. Esta, porém, absolutamente acomodada, resume sua ação nas conversas de botequim.

Para diminuir a força do poder invisível não há outro caminho. Só a sociedade será capaz de, usando instrumentos adequados – a união, a articulação, a vigilância e a cobrança – é que será capaz de debelar esse mal que solapa o desenvolvimento do país e o alcance do bem comum a todos. É ilusão imaginar que só as instituições públicas serão capazes de estancar esse flagelo.

Nós brasileiros, de vocação individualista, precisamos urgentemente substituir esse valor. Não há país no mundo que tenha se tornado próspero, sem cultuar o coletivismo. Só ele é capaz de promover o bem comum de toda a sociedade. Enquanto não mudarmos esse paradigma e continuarmos ignorando a força avassaladora do poder invisível, assistiremos passivamente a desagregação da sociedade, com o aumento cada vez maior da corrupção e da violência. Se não lutarmos para o bem de todos, o prejuízo também será de todos nós, cada vez mais refém dessas iniquidades.

Mauri V. Ricciotti é Procurador de Justiça.