A escola é espaço de construção de saberes, de convivência e socialização. Segundo Delors (2001), é uma via capaz de conduzir a um desenvolvimento humano mais harmonioso, combater formas de pobreza, exclusão social, intolerâncias e opressões.
No Brasil a partir dos anos 60, a escola inicia um processo de mudança, o sistema se amplia e passa a receber uma parte da população que estava longe das escolas. A escola se depara com uma grande dificuldade para se adequar à nova população, apresentando-se como despreparada para receber um público que não estava habituada, ou seja, ela não sofre um processo de adaptação para poder se comunicar com novos códigos e novos valores, mais relacionados com os novos atores que freqüentam o espaço escolar.
A massificação da escola não corresponde a um incremento de sua qualidade, ela acolhe e reforça as desigualdades entre as classes sociais e torna mais visível o bloqueio do sistema às crianças e jovens de classes populares.
Quando falamos em massificação, que muitos chamam de democratização, estamos nos referindo que a maior parte de nossas crianças entram para a escola. Mas quantos a deixam antes de terminar a 4ª serie, quantos abandonam e quantos nunca aparecem nesse espaço?
Mas quais são as obrigações da escola? Em princípio a educação tem que ser uma obrigação do Estado. Ela deve atender a todas as crianças e jovens e ser de boa qualidade. No entanto o que encontramos é uma escola que exclui os seus alunos, não respeita as diferenças, é elitista, baseada em um modelo de escola que durante muitos anos atendeu a elite brasileira.
O contexto de relações sociais ampliadas, assim como a estrutura sócio-econômica, tem um lugar significativo nos tipos de relações que são desenvolvidas nas escolas. As desigualdades sociais, econômicas e culturais têm reflexos no universo escolar. E observa-se que a escola não só as reflete, mas também as reproduz. A massificação do acesso à educação está vinculada à idéia de exclusão escolar, que afirma uma igualdade de acesso e uma desigualdade de desempenhos. Na atualidade, a escola integra mais, porém, também exclui numa proporção maior. (Dubet;Martucelli, 1998)
A escola tem que ser inclusiva, não pode ser discriminatória e tem que criar mecanismos para que todos os alunos se interessem pelo que está acontecendo no espaço escolar. A educação para Paulo Freire significa tanto a necessidade de uma formação técnica, científica, profissional, como o desenvolvimento de sonhos e utopias.
Os jovens buscam no sistema escolar desenvolver suas habilidades, expandir relações sociais, realizar e construir desejos, impulsos, que colaboram na formatação de suas respectivas identidades.
No entanto a escola é também locus de produção e reprodução de violências nas suas mais variadas formas, na medida em que sua estrutura, seu modo de organização, acaba impossibilitando que ela cumpra o seu papel, que é o de formar, de maneira positiva, crianças e jovens.
Atualmente, verifica-se com maior nitidez uma tensão entre o sistema escolar e as expectativas dos jovens. São vários os fatores que contribuem para a singularidade dos conflitos e das violências no cotidiano escolar.
Charlot (1997) explica as dificuldades de analisar os diferentes aspectos da violência escolar, onde nem sempre é fácil separar a análise dos fenômenos, a referência às normas e a reflexão sobre as soluções.
Em primeiro lugar, há que se observar como é determinado o papel do aluno na dinâmica escolar. A escola estabelece normas que visam organizar o seu funcionamento, mas que, na maioria das vezes, não conseguem responder aos seus objetivos, uma vez que formuladas e implementadas de forma unilateral, sem se ponderar a palavra dos alunos e a de seus pais .
As regras e as normas são instrumentos que regulam e regem procedimentos e atos, assumindo um caráter obrigatório acerca de uma determinada forma de comportamento, sendo utilizadas para que se mantenha a ordem escolar. Assim, valem-se de uma série de medidas formais, e até mesmo informais, para lidar com os possíveis conflitos que possam emergir no ambiente escolar, sendo pensadas para coibir ou minimizar ocorrências violentas. Tais medidas, para que possam surtir o efeito desejado, devem ser amplamente conhecidas, o que também não assegura que elas serão respeitadas e cumpridas.
Algumas normas, em geral, são mal aceitas pelos alunos, seja porque estes não as entendem ou porque as consideram sem sentido. As diferenças entre a cultura escolar e a cultura juvenil aparecem constantemente nas principais contradições presentes no cotidiano das escolas.
A manifestação da cultura juvenil no espaço escolar é um ponto de tensão na relação entre alunos e docentes. Muitos adultos ainda vêem os jovens como atores sociais sem identidade própria, não consideram a sua diversidade e pensam a juventude por um dualismo “adultocrata” e maniqueísta (Abramovay e Castro, 2006). A cultura escolar não tem demonstrado receptividade à linguagem e às várias formas de expressão juvenil.
Assim, vemos na escola uma cultura adultocrata, baseada no não diálogo e nas relações de poder entre estudantes e adultos da escola. A relação é assimétrica e tensa, causada, muitas vezes, por adultos que partem de posições conservadoras, rígidas, sendo desprovidos da capacidade de diálogo. Vivemos, portanto, em uma sociedade adultocêntrica, com uma forma de ver o mundo e uma ordem de valores que partem dos adultos.
O adultocentrismo, segundo Krauskopf (2002:124), é uma categoria que mostra, na sociedade, uma relação assimétrica e de tensão entre adultos e jovens. A representação dos adultos aparece, nessa concepção, como um modelo acabado e está baseada em um universo simbólico e de valores que é característico da sociedade patriarcal.
A questão das regras aparece como um dos motivos para o conflito, como, por exemplo, quando a escola proíbe a entrada de certos itens e vestimentas que são próprias da cultura juvenil. Assim as regras e normas se convertem em problemas que geram conflitos e violência, já que são pouco compreendidas na medida em que não se dialoga e se desconhece como se dão as relações sociais na escola tanto entre os pares como com os adultos. Tais proibições causam mal-estar por parte dos alunos, já que estes não conseguem entender a lógica, o porquê de determinadas regras. A roupa, a forma de vestir é uma marca juvenil que os diferencia dos adultos. É como se fosse um modelo de diferenciação. A escola não apenas questiona a conduta, como quer padronizar as aparências.
Quando as relações sociais são rigidamente hierarquizadas, a violência é um recurso sistemático para a superação dos problemas. Assim, ao invés de funcionarem os mecanismos institucionais, o que se encontra é uma situação de conflito permeando os espaços escolares.
As regras são fundamentais para uma boa convivência, são indispensáveis; no entanto, são muitas vezes coercitivas, na medida em que em nenhum momento são discutidas por todos. As regras são violadas constantemente. Trata-se de um ambiente de “faz de conta”, os alunos fazem de conta que não sabem e a direção faz de conta que não enxerga.
A escola funciona como um espaço fechado para os jovens, impedindo o trânsito das identidades nas suas fronteiras. Formas de pensar e de agir contraditórias, que se ignoram e se rejeitam, que não se aceitam. Assim, os jovens possuem valores, idéias, conhecimentos que não têm coincidido exatamente com o que se ensina na escola, sendo que as diferenças se tornam ainda maiores quando a escola se fecha ao diálogo com eles.
A mistura do reconhecimento dos direitos do jovem e a massificação da escolaridade da população pode ser uma das origens do clima de tensão verificado nas escolas. O poder já não é mais monopólio dos professores, o saber possui outro sentido e os jovens pedem uma outra escola, onde o professor, diretor e demais adultos terão, obrigatoriamente, o trabalho de construir sua legitimidade para se fazer respeitar.
Miriam Abramovay, coordenadora de pesquisa da RITLA