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O que, também, falta no trânsito

Até o momento não se pode apontar sobre o culpado no acidente de trânsito envolvendo um rapaz de vinte anos, pilotando um automóvel no valor de 1 milhão e outros tantos mil dólares e outro rapaz, antes anônimo, ao guidão de uma bicicleta usada, se muita cara, aí pela casa de uma centena e pouco de reais. A questão está na esfera policial e, portanto, é mera especulação o que outros sobre ela refiram. Mas, especulações sobram, assim também referendos, a maioria raiando aos extremos e até à chacota. Já houve quem, em cruel ironia, aventou a hipótese de que a vítima, em suada manobra com sua “bike”, avistou o reluzente Mercedes vindo em sua direção e, então, siderado pelo que via, lançou-se deslumbrado contra o veículo. E há quem, ressoando ressentimentos fermentados na perversa desigualdade brasileira e nos tantos pontos na CNH do condutor do automóvel, o condene desde já, não obstante as controvérsias sobre o ocorrido, ainda por se aclararem.

São poucos, porém, os que, rendendo-se ao óbvio, proclamem que esse acidente de trânsito e os muitos outros iguais por este nosso Brasil, são fruto da imperícia, da negligência e da imprudência, portanto, previsíveis e assim evitáveis, se menos condescendentes as nossas leis, mais efetivo o aparato oficial repressor das condutas reprováveis no trânsito e, já madura, a nossa cidadania. Se assim fosse, de pronto o tal acidente não geraria tanta especulação, nem piadas de mau gosto, nem juízos apressados. Afinal, o acidente de trânsito não é próprio da Fatalidade, evento fortuito e sobre o qual não temos nenhum controle anterior ou posterior. O acidente de trânsito está no âmbito da conduta humana exercitável com total consciência e, se no Brasil, sua ocorrência tem freqüência tão lastimável, tal se deverá, certamente, ao nosso descaso com as medidas prevencionistas de parte de todos os agentes envolvidos: condutores, transeuntes, operadores e usuários do sistema de tráfego, além, evidentemente, dos aplicadores do Poder Público.

Um aspecto, entretanto, parece perpassar tudo o que se refere ao trânsito, como a projetar uma espécie de irremediável propensão à transgressão, típica da índole brasileira, o que nos faz transpor as barreiras impostas por uma legislação sofisticada tal o nosso Código Brasileiro de Trânsito e, por paradoxal que seja, buscar, justamente em nosso vetusto Código Penal, os abrigos legais contra uma penalização mais rigorosa para o crime de trânsito. Daí a impunidade garimpada nos meandros da lei e contra a qual se debatem, vox clamantis in deserto, as vítimas desse crime, suas representações e a própria sociedade por seus guardiães, entre esses, nossa Suprema Corte, ao reconhecer a constitucionalidade da Lei Seca.

De tudo o que se vê e se atesta na seqüência de tragédias dos crimes de trânsito, é que nos falta, ainda e lamentavelmente, maior desenvolvimento, mais educação e mais cidadania, conquistas que estamos buscando e que, no mais das vezes, são encontradas bem perto de nós nas práticas sadias da solidariedade e do amor ao próximo e na consciência de que o desfrute do bem viver, se é um direito, também impõe obrigações. Conquistas que, afinal, custam pouco, bem mais em conta que automóveis reluzentes ou advogados contratados a peso de ouro.