Dizem que são estórias que se condensam em história. Aqui uma estória sobre a qual posso escrever. Creio que foi lá pelo ano de 1939. Tinha eu uns oito anos de idade quando curioso abri as páginas do Estadão, do qual meu pai era assinante. À época, os exemplares do Estadão, como da Folha de São Paulo, Correio Paulistano, estes da capital paulista; o Globo, o Jornal do Brasil, Diário de Notícias, Diário Carioca, o Jornal e o Jornal do Comércio (veterano entre todos e ainda sobrevivente), do Rio de Janeiro, aportavam aqui em Campo Grande, via férrea, até uma semana após sua edição diária. Mas chegavam e constituíam notícias frescas!
Opinião
O resto é história
Qual o meu interesse em folhear exemplares do Estadão senão o do encanto que proporcionava umas historinhas em quadrinhos de uma série denominada Tim e Tom que o jornal estampava no rodapé de determinada página. A história era sobre dois meninos em viagem de aventuras pelo território africano que me empolgava. Daí, já na juventude, nasceu o desejo de procurar outras atrações do jornal e a medida da curiosidade do que lia interessou-me a coluna “Notas e Informações” que marcava, e marca até hoje, a posição política do Estadão. Reconheço, devo muito da minha formação cidadã ao que pude haurir dos conceitos ali programados e defendidos sobre liberdade e democracia.
Do Brasil que navegou, já no regime republicano, as mazelas oligarcas da República Velha até a década de trinta, os períodos ditatoriais de Vargas, sobretudo o do Estado Novo, a democracia liberal de Eurico Dutra e Juscelino Kubitschek, a burrada do Jânio Quadros, o parlamentarismo postiço, seguido da ameaça de um regime sindicalista e vermelho, o movimento inicialmente democrático para evitar a ameaça comunista e que deu com os “burros n´água”, pois manteve o país com altos e baixos por longo período, até atracar em um porto que acredito seguro, eis que a democracia representativa vai se firmando no conceito dos brasileiros.
Ninguém nega os percalços desse longo percurso de pedregulhos, sinuosidades, brejos e pântanos nesses mais de século em que os brasileiros tijolo por tijolo unidos por uma argamassa onde o cimento, a areia e a água é o sentimento forte de brasilidade, construíram este país que todos adoram. Para que tal sentimento se estratificasse em nossa consciência cívica foi preciso de um alerta, uma luz, um fanal que a despertasse. Muitos contribuíram para este objetivo. Destes apóstolos da liberdade e da democracia, desejo referenciar as memórias de Júlio de Mesquita, seu filho Júlio de Mesquita, seus netos Júlio e Ruy, todos de formação cívica e democrática pétreas. Mantiveram com suas brilhantes penas a posição do Jornal numa intransigente linha de defesa da liberdade e de respeito ao direito inarredável de opinião.
A nenhum deles conheci pessoalmente. Deles tenho profundo respeito pela integridade de suas opiniões, algumas das quais democraticamente divergi, todas porém eretas e resistentes às machadadas dos que tentaram cortar-lhes a seiva da liberdade de opinar. Confio que o recente falecimento do Dr. Ruy Mesquita não abale o baluarte de lutas que secularmente é o Estadão.
*Ruben Figueiró é senador da República pelo PSDB