O corrompido sistema político-empresarial-financeiro brasileiro (que precisa ser inteiramente reformatado) está caduco. Produz monstros aéticos, como os que desfilam nos palcos midiáticos diariamente (tanto na situação como na oposição). Na consciência dos jovens, o velho sistema está morto, mais ainda não foi sepultado. A juventude (dizem muitas pesquisas) tem nítida percepção disso: o velho já morreu, mas o novo ainda não apareceu.
Nosso sistema corrompido constitui expressão fidedigna de uma cultura que desenfreadamente dá muito mais valor para o “ter” que para o “ser”, para os “privilégios” que para o esforço pessoal (trabalho duro, sustentáculo da meritocracia, que pressupõe necessariamente no mínimo doze anos de ensino ético e de qualidade para todos, em período integral, para suavizar as desigualdades “de nascença”). A cultura contemporânea prega muito mais a competição, o ter dinheiro, o ter posses e ostentações, que a cooperação. As duas coisas, no entanto, são complementares e indispensáveis para a construção de uma sociedade não doente.
Milagros Pérez Oliva (El País 22/10/15), comentando um livro que acaba de ser publicado na Espanha, Amor e política, de Montesserat Moreno e Genoveva Sastre, professoras eméritas de Psicologia, fala da necessidade imperiosa de unirmos a ética da justiça (que deveria dominar a esfera pública) com a ética do cuidado e da responsabilidade (que deve reinar no âmbito privado). A primeira “sustenta que devemos tratar de forma igual todos os indivíduos, pondo ênfase no respeito aos direitos e deveres da pessoa, o que sobrepassa suas necessidades. Posto que todos os indivíduos são iguais e possuem os mesmos deveres e direitos, a justiça daí derivada é cega para as diferenças”; a segunda (ética do cuidado e da responsabilidade) “leva em conta as diferentes situações em que se encontram as pessoas, mas não descuida do princípio da equidade e da reciprocidade”; em suma: “a ética da justiça proíbe tratar injustamente a todos os demais” (todos somos iguais na lei e perante a lei), enquanto a ética do cuidado e da responsabilidade impede o abandono daqueles que estão em situação de necessidade”.
O que esquecemos, frequentemente, é de preparar em pé de igualdade todos os humanos para “ser”, para saber mais, para conhecermos nós mesmos assim como as pessoas e o mundo que nos cercam. Não compreendemos que todos devemos ser valorizados como seres humanos e como seres sociais. Dalai Lama (citado por Susanne Andrade, O segredo do sucesso é ser humano) afirmou: “Abra seus braços para as mudanças, mas não abra mão de seus valores”.
No Brasil (de modo flagrante, ostensivo) transigimos com os valores essenciais da convivência para poder conquistar, inclusive de forma ilícita (como isso fosse normal), mais bens, mais patrimônio, mais cargos, mais privilégios. Seja na vida particular, seja na vida profissional, a cultura contemporânea tem levado as pessoas a de comportarem como robôs. E elas esquecem que os bens materiais se acabam. E que a única coisa perene é o quanto nós somos e valemos como seres humanos. Avante!
* Luiz Flávio Gomes é professor e jurista, Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e Mestre em Direito Penal pela USP.