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O superávit primário e o desafio das contas públicas

Sem discutir a estrutura institucional, o país seguirá refém de um modelo que simplesmente enxuga gelo

As últimas semanas foram marcadas pela presença do assunto “superávit primário” – ou melhor, o fim do superávit primário do setor público brasileiro que se mantinha havia anos, com um resultado negativo inédito no primeiro semestre de 2015, e recordes negativos em junho e julho. De uma maneira simples, significa que o setor público brasileiro (incluindo União, estados, municípios e empresas públicas) está gastando mais do que arrecada e as medidas de contenção não conseguem compensar as quedas de receita.

A discussão reaviva uma grande questão presente no debate das décadas de 1980 e 1990: o chamado “déficit público”, tido como um vilão permanente nas pressões inflacionárias daquelas décadas.

Mas há algumas polêmicas que vão além do mero resultado primário: enquanto a União, particularmente, batia recordes de arrecadação mês após mês e gerava superávits primários, estava tudo certo? Certamente não.

Sem discutir a estrutura institucional, o país seguirá refém de um modelo que simplesmente enxuga gelo.

O desafio hoje não é somente lidar com a deterioração gradual de um esforço de superávit que foi mantido por anos e contribuiu para a estabilidade do país, mas, principalmente, com as suas reais perspectivas de ajuste no médio prazo.

Afinal, mesmo com superávit primário, a qualidade do gasto público brasileiro continua a ser bastante ruim. O ajuste fiscal, sem maiores mudanças estruturais e institucionais no Estado brasileiro, se resume à contenção dos gastos discricionários (ou seja, aqueles que são de livre investimento, incluindo investimentos estratégicos para o país, saúde e educação) e ao aumento da receita através de maior arrecadação. A redução nos gastos obrigatórios, do custo fixo da estrutura pública brasileira e de sua tendência de crescimento vegetativo é que potencialmente geraria um ajuste capaz de gerar estabilidade e credibilidade.

Sem discutir a estrutura institucional que gera tamanhos gastos obrigatórios, prestando atenção apenas se a conta final “fecha”, o país seguirá refém de um modelo que simplesmente enxuga gelo, corta gastos que podem ser importantes para o seu futuro e depende de aumento de carga tributária e esforço fiscal, que, por sua vez, diminui a competitividade da economia. Ou seja, a sociedade brasileira financia o “giro”, o custeio do seu setor público, e não questiona a qualidade do seu gasto ou o pleno cumprimento da sua finalidade social e estratégica. Não é esse tipo de ajuste, superficial, que resolverá a questão.

A estrutura de gastos fixos de União, estados e municípios que temos hoje é economicamente impossível de ser mantida no médio prazo sem que haja sérios comprometimentos ao desenvolvimento do país.

 

* Gustavo Grisa, economista, é especialista do Instituto Millenium.