O que aprendemos hoje começa imediatamente a se tornar obsoleto. É como diz uma mensagem de fim de ano da IBM (http://www.youtube.com/watch?v=qLp-ol56TFM): “Estamos preparando estudantes para profissões que ainda não existem, que usarão tecnologias que ainda não foram inventadas para resolver problemas que ainda nem sabemos que existem”. Na era da velocidade, a educação precisa se reinventar, sim. Mas para formar que tipo de sociedade? De seres cada vez mais apressados, estressados, tentando se adequar à última tecnologia recém-criada? A velocidade é o novo deus-máquina a triturar seus devotos. Poucos questionam se a vida humana e a do planeta têm que ser necessariamente assim ou poderiam ser diferentes. Se, em vez de educar somente para o aprendizado profissional e tecnológico, não seria mais desejável educar para a paz, para os cuidados com o meio ambiente, para o alívio das dores e angústias da alma, para a solidariedade, para uma sociedade menos desigual.
Já não temos olhos para o mundo que está diante de nós. A formiga que sobe a roseira, corta uma folha e desce pelo galho, carregada. O canto do pássaro, o som do vento, a folha que cai. O mundo acontece em câmera lenta. Tem fases. Dia e noite. Inverno e verão, outono e primavera. A vida pulsa num ritmo que permite a reprodução e a recomposição daquilo que se perde, se extingue.
Criamos um mundo paralelo, artificial. Não abrimos mais a janela para ver a vida pulsar lá fora. Abrimos a tela do computador para trazer a natureza para dentro dos nossos escritórios, nossas casas. Dispomos cada vez mais de menos tempo para os prazeres da convivência, ocupados com tantas mensagens no celular, no smartphone, no twitter, no facebook, no orkut… Tiramos fotos de tudo, queremos capturar os minutos e os segundos que já não vivenciamos. Enviamos textos e imagens para centenas, milhares de pessoas que estão também, freneticamente ocupadas em fazer o mesmo. Todas quase sem tempo para ler, arquivar e deletar. Para começar nova busca, novas excitações virtuais.
Filmes americanos de ação não têm nenhum plano com duração maior do que três segundos. Os espectadores ficariam impacientes. Vive-se no ritmo de um videoclipe. Imagens em profusão, quase nenhuma reflexão. Seres humanos autômatos, em breve biônicos – única forma de se adaptar a tanta velocidade. A tecnologia é mais rápida que a evolução da espécie. É urgente inventarmos um novo ser, provavelmente menos humano. A máquina subverteu a natureza e o tempo.
A máquina não precisa descansar. A máquina não respira, nem reclama. Trabalha 24 horas sem parar. A máquina não dorme. Quando quebra, nova máquina ocupa o seu lugar. E obriga o ser humano a se fazer um pouco máquina também. Sem descanso.
Como tudo que se aprende logo vira obsolescência, corremos atrás do próprio rabo, tentando acompanhar o ritmo da máquina, aumentando o tempo de vigília, diminuindo o tempo de descanso. Fazer, fazer, fazer. Tudo isso para quê? Para se adequar a um modelo civilizatório que está em ruínas, junto com o planeta. Haverá tempo para desfrutar as conquistas da modernidade? Vive-se a ilusão do progresso, a prometer uma vida melhor, sem perceber o que nos destrói, lentamente. Trabalhamos atualmente tanto quanto no início da era industrial. Já não trabalhamos mais as oito horas diárias. Trabalhamos em casa, na rua, no aeroporto, onde quer que possamos nos acomodar com um laptop. Cada vez menos tempo para dormir, cada vez menos tempo para o lazer. Seres supostamente inteligentes prisioneiros de uma ilusão: da boa vida a ser conquistada, sem perceber que a estamos perdendo, diariamente.
Como aproveitar melhor o tempo, único bem realmente valioso para seres humanos que se sabem mortais A alma tem mais mistérios do que supõe a vã tecnologia. Sucesso profissional e econômico pode vir junto com uma vida fútil, vazia, depressiva, solitária, violenta e irresponsável. O conhecimento, como (quase) sempre, a serviço da acumulação de riquezas. Numa velocidade que já compromete o futuro de tantas espécies – o Homo sapiens entre elas.
Milhares de civilizações humanas, que nos precederam, inventaram maneiras de viver, de ocupar o tempo do nascer ao pôr do sol. Do nascimento à morte. A vida tem milhões de anos. Viver como se vive hoje não precisa ser uma condenação. Não estamos condenados à robotização, a um modelo de sociedade que se aliena no consumo. Podemos escolher.
Contemplar, compreender, conhecer, refletir, descansar, viver. Verbos cada vez mais em desuso. Precisamos, mais do que nunca, entender que somos apenas mais uma espécie em meio a tantas outras e delas necessitamos para a nossa própria sobrevivência. Como disse Charles Chaplin: “Não sois máquina. Humanos é o que sois”. Até quando não sabemos.
Celso Vicenzi é jornalista