Acabo de ler o livro “10 anos de LDB”, que traz a assinatura de um dos maiores especialistas da educação brasileira e, para meu deleite, um dos melhores amigos que já fiz na vida: o Arnaldo Niskier.Desta vez, o tema foi a decenária LDB (Lei de Diretrizes e Bases), de 1996, e que ainda está em plena vigência, não obstante as catorze emendas, que, como silicones no corpo feminino, lhe injetaram por todo o texto. E a tese do Arnaldo é clara e irrespondível: o que terá melhorado na educação brasileira com a sua implantação? Quase nada, diz ele, arrolando aspectos diversos de medidas tomadas nestes 10 anos, que fizeram agravar-se o estado da arte da crise, na qual nossas escolas estão mergulhadas. Eu que sou mais malcriado diria que nada melhorou e, mais do que isso, houve pioras lamentáveis, que vão dessa malfadada progressão por ciclos, que virou promoção automática para efeitos estatísticos, sem que o aluno aprenda coisa alguma (razão de as escolas fundamentais se terem convertido em fábricas de analfabetos funcionais), até a falta de identidade do ensino médio, que não consegue encontrar a adequada proporcionalidade entre ensino geral e educação para o trabalho, em prejuízo de milhões de jovens que por ele passam. E o que falar desse ensino superior que multiplicou suas vagas em mais de 400% nos últimos anos, sobretudo na área privada, e, hoje, arca com uma brutal ociosidade de matrículas, acompanhada do baixo nível de ensino, por não haver receita para pagar bem os professores, sobretudo, os mestres e doutores?
Por essas e outras, não há motivos maiores para festejar o aniversário da LDB. Contudo, não se pode culpar apenas a lei, que, a bem da verdade, reúne um conjunto de princípios, diretrizes e mudanças direcionadas para um país do futuro (ai, Stefan Zweig!), e tão bem textualizados pelo saudoso Darcy Ribeiro, no Senado da República. Leis, temo-las em demasia – e algumas até que bastante boas – ; o que não temos é capacidade para cumpri-las dentro das intenções dos legisladores, que lhes deram forma e promulgação. Muitas delas, fabricadas em gabinetes fechados e aprovadas sem a necessária discussão daqueles que deverão cumpri-las, nunca deixam as páginas do Diário Oficial para chegar às salas de aula. São textos natimortos, como quase todas as reformas de ensino carpintejadas neste país. Ora é a burocracia dos sistemas, que as matam por inação, ora são ministros e secretários de Estado a ignorá-las, ou porque delas discordam, ou porque a seu pé não se lê sua assinatura; ora é o próprio professor, que não vê motivo para implementá-las, ou porque não foi preparado para entendê-las, ou porque, na rotina em que executa o seu dia a dia, não se mobiliza para inventar novidades…Vai daí que a lei diz uma coisa e as escolas fazem outra. E muitas vezes, nem o que a lei diz, nem o que a escola faz coincide com o que a realidade reclama e o aluno necessita!
A sociedade brasileira deposita uma crença demasiada infantil nas possibilidades de mudança via lei. Por isso disse alguém ser este um país de bacharéis. De fato, a lei pode ajudar a resolver um problema, mas não é por si só, uma alavanca que mova o mundo. Mister se faz, para legitimar a lei, que ela venha ao encontro de necessidades bem definidas, e não agrida a cultura vigente na sociedade. Nem sempre é o que ocorre entre nós, onde abundam leis e faltam soluções.
Outro ponto interessante dessa matéria foi bem acentuada pelo autor da obra sobre a LDB: apesar de completar um decênio de vida, grande parte dessa lei, ou não foi aplicada ou sofreu do mal de uma insuficiente aplicação. E já se fala nos arraiais do governo em editar (sim, porque esse tipo de lei entre nós se editam em vez de serem aprovadas por discussões e consensos) uma outra reforma, da qual Deus nos livre se vier na forma em que foi anunciada, há um ou dois anos! Para superar a crise que ora destrói a produtividade educativa das nossas escolas, não precisamos de novas leis, mas sim, do cumprimento inteligente e eficaz das que aí estão, sobretudo a de nº. 9394/96, conhecida como LDB.
Paulo Nathanael Pereira de Souza é educador e presidente do Conselho de Administração do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE)