Quem imaginava que o calvário de pacientes de hemodiálise de Três Lagoas seria “apenas” suportar a exaustiva filtragem de sangue, em máquinas do centro especializado do Hospital Auxiliadora, se enganou. Como se não bastasse conviver com a deficiência renal, que condena pacientes a submeterem-se a um dos tratamentos mais pesados da medicina, estes cidadãos ainda estão obrigados a enfrentar uma jornada humilhante: viajar três vezes por semana, ida e volta, percorrendo 360 quilômetros, toda semana para se tratar em Ilha Solteira, no Estado de São Paulo.
É o caso relatado na reportagem de capa do Jornal do Povo, em sua edição de ontem. Não era de se imaginar que a cidade que mais cresce no Estado de Mato Grosso do Sul e que esbanja garbo de ser uma das maiores geradoras de emprego e renda no país, ainda, submeta seus cidadãos a uma penalização indignante. Mas é o que a Justiça concluiu, após ação movida pela Defensoria Pública.
O quadro é desalentador para as pessoas que deveriam ser atendidas no hospital contratado pela Prefeitura de Três Lagoas, mas que não têm vagas suficientes no setor especializado. E, por essa circunstância são mandadas para outra cidade para poderem se tratar. Se não fosse por questão de saúde, os mesmos teriam direito a passeata, gritaria, panelaço e outros meios de manifestação em frente ao gabinete da secretária de Saúde e da prefeita da cidade, para quem sabe, serem ouvidos diante desta situação tão difícil para pacientes renais.
Será que a Secretaria de Saúde do município e a prefeita estão informadas de quantas pessoas passam por este problema, quantas estão sem vaga, quanto se gasta e o que precisa ser investido para que essa situação não se amplie. Lamentavelmente, constata-se que os assessores da prefeita não se ocuparam em recolher estas informações para informar na Justiça este quadro em ação proposta pela Defensoria. Por isso, a juíza que determina a adoção de medidas, estabeleceu multa diária de R$ 500, em caso de descumprimento em sua sentença liminar, onde classifica a administração de “acomodada”.
Era de se imaginar que a prefeitura não desse importância ao processo, já demonstra não se preocupar com o bem estar e a vida das pessoas que estão sendo obrigadas a viajar para fora da cidade para obter atendimento.
Num trecho da sentença, a juíza Aline Beatriz de Oliveira Lacerda, adianta que a solução que seria temporária – algo compreensível em diversas situações – caminha ao perpetuamento e “sem qualquer previsão de solução”.
Para quem olha a questão à distância, a impressão inicial é que a Justiça agiu na hora certa, em busca de um freio ao acomodamento. Mas, para quem vive diariamente o dilema de submeter-se a esta humilhação, em busca da sobrevida, trata-se de medida demorada e custosa. A Prefeitura de Três Lagoas tem o dever de arranjar vagas a todos os pacientes, seja criando uma unidade municipal de hemodiálise, seja estabelecendo parceria para que o hospital tenha condição de atender mais pessoas ou, por último, contratando clínicas particulares da cidade que possam prestar o serviço.
É indispensável, contudo, isentar o hospital de qualquer responsabilidade no problema. Na própria decisão judicial é possível encontrar a resposta mais lógica: a prefeitura não repassa nem mesmo o custo que a unidade de saúde tem com o atendimento aos pacientes de hemodiálise. Algo previsível, claro.
O que não se espera, evidentemente, é que a administração siga arranjando desculpas ou fazendo de conta que o problema não existe, enquanto seus cidadãos mais fragilizados sofrem com o descaso.