Foi vendo ovelhas em nuvens e faces no deserto marciano que levamos a eleição presidencial de 2010 ao segundo turno. José Serra e Dilma Rousseff tem agora pouco mais de três semanas para convencer o eleitor brasileiro de que um é melhor que o outro e que ambos são “marineiros” desde criancinha. No entanto, o Brasil sofre de uma crônica pareidolia política e esse convencimento não será uma tarefa difícil. Em tempos pareidólicos, todo cuidado é pouco.
Pareidolia é um fenômeno que fornece explicações psicológicas para as ilusões da mente humana, quando, diante de algo absolutamente vago e aleatório, enxergamos profundos significados. Um exemplo clássico de pareidolia é a visão de um rosto encravado no solo de Marte, na célebre fotografia produzida pela sonda Viking 1 da NASA, datada de 1976. Ou, simplesmente, quando olhamos para uma montanha ou uma nuvem e reconhecemos a imagem de um animal ou um objeto.
Às avessas, a política brasileira recheou-se de pareidolismos. Em 1989, Fernando Collor assumiu a imagem de “caçador de marajás” e seu fim, dois anos depois, não teve nenhuma dignidade. Em 1994, o octogenário Itamar Franco ganhou fama de “pegador” ao ser fotografado no carnaval carioca ao lado de uma modelo sem calcinha. Ainda em 1994, Fernando Henrique Cardoso ganhou as eleições por ser o “pai do Real”, chegando a assinar todas as cédulas da nova moeda mesmo não sendo mais ministro da Fazenda. Por fim, Lula, o operário que virou presidente, ufana-se como o “grande irmão dos pobres”, “futuro presidente da ONU” e “dono do mundo” (por que não?!). O“pai dos pobres” foi o suicida Getúlio Vargas, em exemplo do século passado.
As eleições de 2010 não poderiam ser diferentes. Os três candidatos que melhor se posicionaram no primeiro turno o fizeram através de uma construção pareidólica de suas imagens públicas. A descendente de búlgaros, Dilma Rousseff, deixou de lado os cabelos mal cortados e os óculos que mais pareciam fundos de garrafa para tornar-se a “escolhida do Lula”, adotando o sóbrio visual de uma conservada senhora sexagenária, adepta aos estilosos terninhos de grifes famosas no mercado. Por pouco não levou o prêmio de “miss simpatia”.
O tucano José Serra é outro que teve de correr atrás de uma imagem simpática. Conhecido por sua sisudez técnica, amanhecia tomando pingadinhos nos botecos mineiros e anoitecia comendo tapiocas nordestinas. Claro que tudo isso regado a incontáveis doses de bicarbonato de sódio, hipocondríaco que é. Prometeu aumento de salário maior que o da principal adversária, garante que irá manter e ampliar o cabresto eleitoral que é o Bolsa Família e está à beira de tornar-se o “rei dos mutirões de catarata”.
Como terceira via de respeito, a “candidata verde” Marina Silva ganhou, mas não levou. Com seu sempre impecável coque nos cabelos, o estilo étnico e um tira-e-põe interminável de lenços dos ombros, a acreana abocanhou vinte milhões de votos e vai para o segundo turno, apesar de não ter chegado lá, como a “noiva do ano”, a mulher mais cortejada dos corredores palacianos. Uma espécie de “deusa tupiniquim”.
O sistema eleitoral brasileiro, apesar de sua moderna tecnologia, favorece a criação desses tipos ilusórios, de figuras que possam chegar aos lares dos eleitores como símbolos populares e salvacionistas. Considerando que o povo brasileiro herdou da cultura portuguesa esse fadismo desalentoso e essa necessidade paternalista permanente, fica fácil para qualquer marketeiro de fundo de quintal colocar um palhaço diante das câmeras e, em poucos dias, fazer dele uma honorável excelência, campeão inequívoco de votos e futuro legislador nacional. Se um risco quer dizer Francisco, o Francisco da vez é conhecido como Tiririca. Mas já foi Macaco-Tião, o hipopótamo Cacareco e até Dr. Enéas. E se uma imagem vale mais que mil palavras, pareidologicamente, esses “recados das urnas” são símbolos de nossa irresponsabilidade.
Sobre a pareidolia, o físico Carl Sagan disse: “Como efeito colateral inadvertido, reunimos pedaços desconectados de luz e sombra e, inconscientemente, tentamos ver uma face”. E a política brasileira é assim: pareidólica. A bela imagem construída para a Dilma de hoje, oculta a Dilma de ontem; e é impossível não lembrar de Serra quando vejo Homer Simpson. E isso é extraordinário, maravilhosamente irremediável!
Helder Caldeira é escritor, articulista político, palestrante e conferencista