Uma recente declaração do ex-ministro Ayres Brito sobre tentativas de interferências na Operação Lava Jato deveria ser adotada como paradigma para enfrentamento de artimanhas da classe política. Da experiência que conquistou ao longo de anos no Poder Judiciário, Ayres Brito possui autoridade para dar puxões de orelha em políticos de todos os níveis sem temor de ser nivelado como falastrão ou por qualquer interesse. O ex-ministro presidiu o Supremo Tribunal Federal até pouco antes da conclusão da Ação Penal 470, do mensalão do PT, e só deixou o cargo ao estourar a idade limite para permanecer, 70 anos.
A declaração surgiu após novas revelações de grampos telefônicos em que políticos e autoridades de estatais supostamente tramavam interromper ou, ao menos, atrapalhar as investigações da Polícia Federal, Procuradoria da República e da Justiça Federal. Em duas delas, o ex-senador José Sarney – que presidiu a República após a redemocratização – fala em artimanhas para interferir no STF. Em outra, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, concorda com o ex-diretor da Transpetro, Sérgio Machado, em envolver um maior número de políticos nas acusações para tentar tirar o foco do grupo mentor dos escândalos.
Estas gravações, mais a que derrubou o senador Romero Jucá do Ministério do Planejamento menos de duas semanas após a posse, formam um conjunto de tentativas de interferências na Lava Jato por meio de atuações políticas – crime flagrante, na opinião de juristas e de políticos sem envolvimento com o governo nem com o petrolão e escândalos em geral.
A característica que motivou a declaração de Ayres Brito é que todos tentaram encontrar meios de interferir nas investigações e buscaram artifícios para livrar a cara de quem tem culpa no cartório. Porém, a própria sequência de escândalos e a profundidade das investigações deram personalidade e força à Lava Jato.
“Jamais o Supremo entraria neste tipo de orquestração, de conluio. O Supremo é um fidedigno intérprete e aplicador do sistema jurídico a partir da Constituição. A Lava Jato está vacinada contra qualquer tentativa de embaraço, de desfazimento, de bloqueio, ela se autonomizou. Passou a ser uma questão de honra nacional prosseguir com ela. A Lava Jato hoje é um patrimônio objetivo do país. Não há governo, não há bloco político, não há conluio que impeça a Lava Jato de prosseguir, fazendo essa união virtuosa democrática, já observada com o julgamento do mensalão, a união entre direito penal e princípios republicanos”, afirmou Ayres Brito em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo.
Ao classificar a Lava Jato como “um patrimônio objetivo do país” o experiente ex-ministro coloca a investigação em um plano de irretocabilidade no pensamento jurídico e anseio de justiça por cidadãos comuns, porque, ao mesmo tempo em que a operação caminha estritamente dentro da lei, atende ao desejo de brasileiros que querem ver punidos todos os envolvidos no esquema de corrupção que assusta ao país a cada revelação.
“Não há governo, não há bloco político, não há conluio que impeça a Lava Jato de prosseguir” é a sentença de Ayres Brito sobre as tentativas de interferências. A declaração deixa transparente e sólida a posição do Judiciário, acrescenta valor ao trabalho liderado pelo juiz Sérgio Moro, do procurador-geral Rodrigo Janot e do ministro do STF, Teori Zavascki, relator da Lava Jato. Mais ainda. Satisfaz parcela considerável da opinião pública, que teme pela paralisação das apurações e pela absolvição de fraudadores, corruptos e corruptores que agiram absolutamente contra o país e seu povo.
Significa, por fim, pavimentar o caminho até a condenação de envolvidos e a possível absolvição de injustiçados – se houver – para o bem do país e a solidificação de suas instituições.