Dizer que o Judiciário brasileiro encontra-se em crise e comentar sobre a morosidade da Justiça parecem temas tão comuns que levam ao desinteresse, pela impossibilidade da solução do problema. Nos últimos anos, tenta-se minimizar a questão, especialmente através das notáveis tratativas de digitalização dos processos judiciais e dos cumprimentos de metas de julgamentos pelos magistrados.
Contudo, dispositivo legal criado justamente para atender a essa celeridade processual vem dando espaço a interpretações equivocadas e que podem prejudicar as partes envolvidas na relação processual. Refiro-me aos artigos 655 e 655-A, do Código de Processo Civil, alterados e introduzidos pela lei 11.382/06. Com efeito, os referidos dispositivos “legalizaram” a denominada penhora on-line, instrumento largamente utilizado pelos tribunais do país, tendo origem no convênio firmado entre o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Banco Central (BACEN).
Defendo o argumento de que a penhora não pode ser realizada sobre o faturamento da empresa, por ser questão complexa, isto é, formada pela integração de vários elementos, sendo impossível a eliminação de qualquer um deles, sob pena de perda de substância, o que o enquadraria no art. 649, VIII do CPC, considerando-o absolutamente impenhorável. Todavia, esse trabalho não irá se discorrer sobre referida tese, mas denunciar o flagrante descumprimento ao texto legal que os tribunais brasileiros vêm cometendo.
Hoje, é uma prática comum dos juízes brasileiros a utilização da penhora on-line para a satisfação do crédito na execução civil. Contudo, o maior prejuízo à parte não está no cumprimento do dispositivo legal que autoriza a penhora de dinheiro depositado em conta corrente ou colocado em aplicação financeira, mas na não aplicação do parágrafo terceiro do art. 655-A do CPC. Determina o dispositivo legal que na penhora sobre percentual do faturamento da empresa será nomeado um depositário com a função de trazer ao Judiciário a forma de pagamento da dívida, com retiradas periódicas até a quitação do débito.
A produção legislativa teve um sentido claro: evitar que a empresa venha a bancarrota. Ora, o Direito Empresarial pátrio é inspirado no princípio da continuidade da empresa. Permitir penhora sobre o faturamento da mesma, sem tomar mínimas cautelas para que a empresa não venha a quebrar, é desrespeitar toda a produção legislativa, doutrinária e jurisprudencial construída sobre o tema há anos. Sem seu capital de giro, a empresa fica impossibilitada de desenvolver seu objeto social. É como pensar na possibilidade de penhorar o motor de um automóvel e não o veículo como um todo.
A problemática da questão também está em saber o que é faturamento da empresa. Faturamento é o resultado de toda a movimentação financeira, sem haver, necessariamente, o pagamento de tributos, salários, encargos etc. Ou seja, é tudo o que a empresa ganha sem quaisquer descontos.
Quando um magistrado ordena a penhora on-line sobre as contas de uma empresa, como se saber se o que está penhorando é ou não faturamento? A resposta é simples: não há como saber! O art. 655, parágrafo segundo, declara que compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese de impenhorabilidade. Ocorre que, na prática, até se comprovar que a quantia penhorada constitui faturamento da empresa, muitas vezes já se configurou a falência do empreendimento.
Sejamos honestos: convencer um magistrado de que a quantia penhorada na conta de uma empresa constitui faturamento não é tarefa fácil. Mais difícil ainda é saber quem será o depositário responsável pela tarefa de apresentar, junto ao magistrado, as contas da empresa executada e possibilitar o pagamento periódico da dívida. Fica ainda a dúvida sobre quando será nomeado o depositário, uma vez que a lei só trata da sua indicação quando a penhora recair sobre faturamento da empresa.
Para finalizar, entendo que, devido às situações práticas que vêm apresentando as penhoras on-line nas contas de empresas executadas, o juiz, antes de deferir a constrição sobre o patrimônio total do valor da execução, não havendo possibilidade, a priori, de saber se o valor encontrado constitui faturamento ou capital livre, deve, na ausência de outros bens, nomear primeiramente um depositário (administrador) para que esse possa apresentar um plano de pagamento das dívidas com vista ao faturamento da empresa executada, possibilitando, assim, a sobrevivência da mesma e cumprindo o princípio esculpido pelo art. 620 do CPC.
João Rafael Furtado é sócio do escritório Furtado, Pragmácio Filho e Advogados Associados