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Polícia Técnica sem autonomia é prejudicial à Justiça

Promover a autonomia e a modernização dos órgãos periciais criminais do estado do Rio de Janeiro, chamados de Polícia Técnica, por meio de orçamento próprio e desvinculação da Secretaria de Segurança Pública, é uma questão que não pode mais esperar. Manter os olhos fechados à situação desse segmento público, constituído por peritos que trabalham no Instituto de Criminalística, e por médicos e odonto-legistas, é calar-se diante da única forma de melhorar a estrutura da Polícia Técnica e de assegurar a produção isenta e qualificada de provas materiais para a elucidação de crimes.

No século passado, em meados dos anos 20, um decreto subordinou a Medicina Legal à Polícia Civil, com inconfessáveis intenções de acobertar atos abomináveis praticados contra o homem. Tal desvio não poderia ser mais maléfico à classe: ir de encontro à essência da profissão do perito-legista, que tem a função de elo entre a ciência médica e a ciência jurídica, precisando de total independência para o exercício do seu ofício.


Hoje, a subordinação continua favorecendo a ingerência por parte de delegados e agentes policiais sobre a perícia, que deve ser de cunho exclusivamente científico. Além dos incontáveis abusos à classe pericial, que possui condições de trabalho totalmente sucateadas, há o descaso com a sociedade. O periciado não pode confundir a figura imparcial e isenta do perito legista, interessado na busca da verdade dos fatos, com o aparelho repressor do Estado.


Nos estados do Brasil onde a Perícia Técnica é desvinculada da Polícia Civil, a atividade pericial é mais evoluída em termos de infraestrutura dos prédios, equipamentos, efetivo, gestão e no intercâmbio com instituições universitárias e científicas. Defensores dos Direitos Humanos sustentam que a Perícia Técnica deveria ser vinculada diretamente à Secretaria de Justiça ou de Ciência e Tecnologia ou ser um órgão independente, uma autarquia.


Nesse sentido, foi aprovado por unanimidade pelo Senado o projeto de Lei 204/2008, que previa a autonomia técnica e funcional dos órgãos periciais em âmbito nacional. A lei é considerada um avanço, mas, não atende a todos os pleitos da categoria. O projeto original proposto em 1997 previa a saída da perícia da estrutura da Polícia Civil em todos os estados. Mas, a condição para a sua aprovação na Câmara dos Deputados, em 2008, após quase dez anos de tramitação, foi a retirada deste item.


Já a Lei 12.030 de 17/09/2009, no seu artigo 2º, estabeleceu que no exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal é assegurada autonomia técnica, científica e funcional do perito oficial. Mas, isso acontece na prática?

Uma emenda à Constituição do Estado do Rio de Janeiro que garantiria autonomia à perícia (PEC 17/2003) foi apresentada, em 2003, pelo então deputado estadual Alessandro Molon e previa uma Lei para garantir organização e estrutura próprias ao órgão responsável pelas perícias no estado. A lei foi aprovada pela maioria absoluta dos deputados da Assembleia Legislativa em 2005, mas, foi derrubada por uma ação de inconstitucionalidade impetrada pela Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Rio de Janeiro. Fica no ar a pergunta: por que o interesse dos delegados em dominar a perícia?


Diante de tudo isso e da história recente de nosso país, especificamente no período do regime militar, o que podemos concluir é que colocar o perito legista para trabalhar no interior de órgãos policiais é prejudicial para a Justiça e para os Direitos Humanos. A independência da Polícia Técnica será uma vitória não apenas dos peritos legistas e criminais, mas, de todos os cidadãos do estado do Rio de Janeiro. 

*Marcos Paulo Costa da Silva é presidente da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas – Regional do Rio de Janeiro