Está em curso no Brasil a campanha pelo Limite da Propriedade da Terra
lançada pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo.
Todavia, fazer este debate não tem sido tarefa fácil, basicamente porque reina a ideia de que a Lei de Terras de 1850 estabeleceu no Brasil o direito absoluto da propriedade da terra adquirida ou comprada o que, em última instância, transforma a terra numa mercadoria como outra qualquer. Desta forma, sepulta-se qualquer pensamento da terra como um bem finito sem parâmetro no universo e fonte de toda vida no planeta que, fruto seja do evolucionismo ou criacionismo, deve ser direito de todos, inclusive das próximas gerações.
Como bem finito não pode ser reproduzível à vontade, mesmo tendo nela
inserido o trabalho. Portanto, por mais que estejamos vivendo em um mundo urbanoindustrial, a terra continua sendo motivo de disputas e mortes. Os dados sobre conflitos no campo, publicados pela Comissão Pastoral da Terra/CPT, revelam que nos últimos 25 anos tivemos a morte de 1.546 trabalhadores/as do campo, e praticamente todos os crimes permaneceram impunes.
No caso brasileiro, parte da sociedade vem tentando disciplinar a posse e uso desta fonte da vida, exemplo foi o Estatuto da Terra, em 1964, que estabeleceu a função social da propriedade assumido também pela Constituição de 1988 e pelo novo Código Civil. Porém, na prática, este princípio tem sido mera figura de retórica, incapaz de impedir a concentração da terra em poucas e privilegiadas mãos.
De acordo com o Censo Agropecuário 2006 (IBGE), quase 50% dos estabelecimentos têm menos de 10ha e ocupam 2,36% da área. Por outro lado, menos de 1% dos estabelecimentos com área acima de 1.000 ha, ocupa 44% das terras. Revelou-se ainda que a concentração
aumentou em relação aos anos anteriores, com o índice Gini alcançando 0,872 para a estrutura agrária brasileira em 2006, superior aos índices apurados nos anos de 1985 (0,857) e 1995 (0,856). Segundo dados preliminares do INCRA, 4.184.000 hectares de terras no Brasil já estão em mãos de empresas estrangeiras.
É preciso dizer ainda que não procede a crença de que limitar o tamanho das propriedades pode frear o desenvolvimento do país. Ao contrário, grande parte dos países que democratizaram o acesso a terra se desenvolveu.
Recente estudo do MDA a respeito do Censo Agropecuário 2006, mostrou que a chamada agricultura familiar (aquela cuja área do estabelecimento rural não excede 4 módulos fiscais) emprega 75% da mão de obra no campo, responde por 87% da produção nacional de mandioca, 70%
do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos. Limite da propriedade é garantia de soberania alimentar para o nosso país.
Portanto, é preciso convergência daqueles que entendem que carece colocar
limite em quem não tem limite e que a terra concentrada é fonte de dominação e miséria. Que há relação entre o êxodo de 30 milhões de brasileiros do campo para a cidade (1960-1980), os 11 milhões de famílias vivendo em favelas e o cercamento da terra.
E qual é a proposta para discussão? O limite proposto pelo Fórum é 35 módulos fiscais, cujo equivalente em hectares varia para cada Estado, de acordo com o módulo municipal. No estado de Mato Grosso
do Sul, fazendo uma análise entre o menor e maior do módulo fiscal, teríamos uma média de 62,5 ha, e o limite seria então 2.187,50 hectares. Discurso radical? Não!
Vamos arredondar para acima de 2.500 ha e fazer um exercício com os dados públicos disponíveis: o limite atingia tão somente 3,7% dos estabelecimentos, mas isso significaria a liberação de 16.718.198 ha (55,62 % da área do Estado).
Os mecanismos para participação popular já foram criados: além do abaixoassinado pela emenda constitucional pelo limite da propriedade, o Fórum vai organizar em todo país na Semana da Pátria (1 a 7 de Setembro) o Plebiscito que propõe colocar um limite à propriedade da terra.
Gostaria de lembrar que é comum o uso de estratégias por parte daqueles que detêm o poder visando isolar pessoas e/ou ações que possam representar questionamentos ao status quo. As estratégias mais habituais são a ridicularização/espetacularização evidenciada no rótulo de “radical”, “xiita”, “ignorante”, “ingênuo”, ou então, o peso do silêncio. Espera-se que a Academia mantenha-se imune a isso para não chegar tarde ao debate, como recentemente ocorreu com o Código Florestal, e cumpra seu papel de ser espaço para o debate de ideias, porque sem elas, não vamos a lugar nenhum.
Rosemeire Aparecida de Almeida é professora e doutora da UFMS de Três Lagoas