O Brasil é o país das anomalias comerciais mais absurdas. O setor aéreo talvez seja o melhor exemplo dos desvios acentuados que uma economia desregrada e um país sem leis efetivas podem causar. A desgraça da vez é o anunciado novo aumento no valor das passagens aéreas. De acordo com o setor e com o governo, trata-se de um reajuste necessário por conta do recuo no número de passageiros, do menor crescimento da economia brasileira e da crise internacional. Mentira! Mentira pura! O governo e as companhias aéreas, por hábito, estão tratando o consumidor brasileiro como o mais retumbante idiota.
Vamos refletir: por que será que as companhias aéreas querem um forte reajuste das passagens por conta da queda na demanda de passageiros? Convenhamos: essa dinâmica deveria ser inversa. Por óbvio, elevar os preços nesse momento iria esvaziar ainda mais os aviões. Mas no Brasil, as autoridades (públicas e privadas) não tem a menor vergonha na cara e mentem deslavadamente para a população, que é a fiel financiadora da baixaria administrativa e comercial desse país de imperativa impunidade.
Já está mais que provado que o povo não vive só de fogão, geladeira e Bolsa Família. A ascensão econômica brasileira no cenário mundial é diretamente proporcional ao crescimento da demanda interna pelos mais diversos bens e serviços, consequência imediata do aumento da renda das famílias. O problema é que o governo federal não está conseguindo alicerçar esse crescimento com infraestrutura, legislações mais modernas e adequadas e uma mínima reforma tributária, capazes de sustentar o país em sua rota de aceleração.
Sem concorrência e trabalhando muito além dos limites aceitáveis de segurança, o setor aéreo vive consecutivos períodos de caos. Para mascarar essa lambança generalizada e de culpabilidade múltipla, as companhias aéreas, com anuência da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e do governo da presidente Dilma Rousseff, inventaram a balela de que o número de passageiros está caindo sistematicamente e será necessário aumentar o preço das passagens. Ora bolas, deveria ser exatamente o contrário: se a demanda cai, os preços despencam para tentar atrair mais consumo. Por que só no Brasil essa matemática comercial simplíssima é diferente?
A realidade é bem outra. O número de passageiros aumentou tanto nos últimos anos que nenhum dos aeroportos brasileiros é capaz de atender correta e confortavelmente as centenas de milhares de pessoas que diariamente inundam os saguões e se espremem em filas monumentais e diminutas salas de embarque, além de ficarem reféns de cartéis e máfias mantidas pela Infraero, que vão dos serviços de alimentação ao transporte urbano. A essa zona, soma-se o fato de que apenas duas empresas monopolizam a quase totalidade da malha aérea brasileira.
Os números oficiais da própria ANAC são capazes de desmascarar essa sacanagem. Há vários meses o setor aéreo estava crescendo a índices superiores a 20%. Quando os preços das passagens subiram em setembro, esse crescimento caiu para algo em torno de 10%. Com outros reajustes em outubro, a expansão do setor ficou cravada em 8,8%. Ou seja, quando as companhias aéreas elevam seus preços, a projeção de demanda cai, ainda que o número de passageiros esteja aumentando, porém a índices menores.
Em suma, mais uma vez estamos sendo roubados. Não bastasse a precariedade dos aeroportos brasileiros, os constantes reajustes nos preços das passagens aéreas são absolutamente injustificáveis e até mesmo ilegais. Mas como não há no Brasil um poder público capaz de cumprir devidamente suas funções, essas anomalias são chanceladas diuturnamente e somos nós quem pagamos a conta pela leniência, pelo descaso e pela irresponsabilidade de nossas pseudoautoridades. Os preços seguem decolando, mas os passageiros não. Na verdade estamos sendo reposicionados em solo, direcionados para a lixeira da administração brasileira.
Helder Caldeira é escritor, jornalista político, palestrante e conferencista