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Presença de Covas

O transcurso do aniversário da triste e emocionante despedida do governador Mário Covas, ocorrida em 6 de março de 2001, me fez lembrar o diálogo entre dois personagens do dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956) na peça Vida de Galileu. Um deles afirma enfaticamente: "Infeliz do país que não tem heróis"; e o outro rebate: "Não, amigo, infeliz do país que precisa de heróis". Os intermitentes casos de corrupção nos cinco séculos de história e os problemas que ainda se verificam no cotidiano nacional demonstram que o Brasil – apesar de todos os esforços e avanços hoje verificados na ética e na valorização da cidadania – lamentavelmente ainda se enquadra no segundo caso.

Essas palavras, que iniciaram meu artigo no transcurso do primeiro ano da sua morte, continuam válidas e, o que é mais triste, com maior atualidade ainda, nestes tempos em que escândalos de toda a ordem vêm a público quase diariamente, destruindo reputações até então tidas como ilibadas e exemplares para a sociedade. Covas governou os paulistas por dois mandatos consecutivos, de janeiro de 1995 a janeiro de 2001, quando se afastou do cargo em decorrência do câncer que o vitimaria. Antes disso, cumprira uma longa trajetória política, iniciada na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, época em que foi eleito vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Engenheiro civil, começou a vida pública em 1961com uma derrota, ao candidatar-se à prefeitura de Santos, sua cidade natal. No ano seguinte, foi eleito deputado federal e, como líder do MDB (único partido de oposição ao regime militar) foi cassado pelo AI-5 em 1968, voltando à engenharia. Dez anos depois, de posse dos direitos políticos, retomou a vida pública: deputado federal e prefeito de São Paulo. Sua brilhante gestão rendeu-lhe a maior votação para cargo eletivo registrada até então no Brasil, com os 7,7 milhões de votos que o conduziram ao Senado e à liderança da bancada do PMDB (partido que sucedeu o MDB) na Constituinte de 1988 e dali para governo do estado de São Paulo. 

Administrador competente e político hábil, talvez o maior legado de Covas tenha sido a verdadeira escola de governo que montou, atraindo com seus parâmetros éticos a fidelidade de seguidores e o respeito de correligionários e adversários – afinal, nenhuma denúncia manchou sua longa folha de serviços prestados ao País.

A grande lição de Covas ganha relevância numa era em que a sociedade valoriza, de maneira crescente, a sustentabilidade econômica e social como o pilar central na construção do desenvolvimento. E essa sustentabilidade tem, entre seus fundamentos essenciais, a ética na política – cuja ausência vem acarretando consequências danosas para um Brasil emergente, em que há muito a fazer para a redução dos agudos problemas sociais, para a consolidação da ainda recente democracia e para a expansão da economia, com o aumento da riqueza nacional e a garantia de trabalho para mais e mais cidadãos.

Quando se observa nos poderes constituídos a nociva prevalência de interesses pessoais, corporativos ou de grupos, torna-se necessário repudiar, denunciar e punir corruptos e corruptores, para quebrar a longa tradição de tolerância com os mal feitos, na apropriada expressão da presidente Dilma, que tanto maculam a nossa história. E também para evitar a repetição de vícios milenares denunciados com clareza no livro Arqueologia da ética, do psiquiatra Carlos Roberto Aricó: "Desde tempos históricos, é freqüente observar-se que os chefes políticos se transformam em proprietários do Estado (…). É oportuno considerarmos que as leis objetivam domesticar as paixões. Desejos, talentos e acaso, aliados a pessoas ambiciosas e covardes, foram os elementos básicos na desigualdade entre os homens".

E mais: cabe a todos os cidadãos responsáveis educar para a ética, em especial as novas gerações, e difundir esse conceito, como contribuição para a edificação de uma sólida ponte de acesso a um futuro mais feliz. Futuro em que os brasileiros não mais precisarão se socorrer da memória de heróis como Covas para encontrar sua identidade como povo e assegurar uma dose de autoestima.  Mas, sempre poderão – e deverão – reverenciá-los como expressão máxima de cidadania.

*Ruy Martins Altenfelder é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) e do Conselho do Centro de Integração Empresa-Escola  (CIEE)