Como um pai reagiria se soubesse que seu filho foi retirado da sala de aula por indisciplina extrema ? Há várias hipóteses, mas duas merecem destaque: provavelmente, o professor seria chamado de carrasco ou o aluno seria devidamente advertido pelos responsáveis por sua educação.
De todo modo está claro que a escola vivencia, já há um longo tempo, um dilema que a insere entre as instituições mais contraditórias deste país. De um lado, está o que é adequado e necessário pedagogicamente; de outro, há uma realidade na qual o aluno relapso e indisciplinado tem direitos que transcendem o bom senso e o respeito ao trabalho que o docente realiza incansavelmente todos os dias.
Mandar um aluno “calar a boca” pode acarretar reações de reprovação dos pais! Acreditem! Caso digamos “fique quieto”, “silêncio” ou utilizemos outro termo imperativo linguisticamente mais “leve”, evitaremos maiores aborrecimentos junto a mães superprotetoras ou a pais que só vêm à escola uma vez por ano, quando a situação de seu filho já se encontra em um limite acima do alcance de qualquer medida a curto prazo!
Desde que ouço o clichê “a escola é nossa segunda casa”, reconheço que há uma interpretação equivocada quanto ao seu sentido. O ambiente escolar não pode ser considerado uma extensão da esfera familiar. O primeiro tem como função apenas facilitar o acesso a informações as quais produzam uma formação adequada e consistente, a fim de que o estudante tenha referências para se tornar um cidadão. A segunda traz consigo um nível de relações muito mais amplo e incomparavelmente complexo! Os pais têm uma tarefa infinitamente mais difícil que a do corpo docente de uma instituição de ensino.
É pertinente destacar um fragmento de um artigo publicado no caderno DROPS, em 15 de outubro deste ano, “no Dia do Professor”, no qual faço uma reflexão sobre a realidade paradoxal à qual precisamos nos submeter todos os dias, nos mais diversos contextos, sob as mais distintas e adversas condições:
“O que se percebe é que muitos confundem nosso papel de educador com o de tutor. Sob essa análise, teríamos encargos ainda mais complexos e comprometedores. O dicionário Michaelis define o verbete do seguinte modo: “tutor sm (lat tutore) 1 Dir Aquele que, por disposição testamentária ou por decisão do juiz, está encarregado de uma tutela ou tutoria. 2 O que protege, ampara ou dirige; defensor. 3 Agr Estaca ou vara cravada no solo, para amparar e segurar uma planta cujo caule é flexível”.
Esse último sentido parece ser o mais próximo de uma abordagem metafórica bastante fértil para novas elucubrações. A abreviatura “Agr” vem de agricultura. O educador, de acordo com a concepção a qual ainda sobrevive em pleno século XXI, pode ser comparado, portanto, a uma estrutura necessária para que uma planta possa se desenvolver adequadamente e produzir bons frutos no meio em que ela foi, criteriosamente, cultivada. O que muitos esquecem é que essa “estaca” só pode permanecer firme a fim de cumprir sua função, se estiver em solo que a “sustente” apropriadamente. Isso envolve investimentos efetivos em educação e, simultaneamente, mudança de mentalidade.”
O espaço de uma sala de aula implica uma rede de idiossincrasias e conflitos mais complexos do que se imagina! Alguns pedagogos e até psiquiatras afirmam categoricamente que esse pequeno universo em que tantas forças operam não pode ser acessível a qualquer um que o queira habitar. Nele, preconceitos podem aflorar, atitudes não solidárias podem revelar perfis de futuros cidadãos e comportamentos antiéticos podem caracterizar uma nova geração de administradores e líderes políticos. É preciso ter consciência do material humano que temos à nossa volta e nos esforçar para formar indivíduos que façam parte de um meio social mais justo e produtivo. O fato é que isso não depende só de nós!
Outra conclusão à qual cheguei é óbvia: um professor é apenas um professor!!
Não queremos e não podemos exercer a função de pais de nossos próprios alunos.
Marcelo Flávio é professor de português