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Redução da idade penal: Um estelionato humanitário

Comunidade jurídica apontou para a inconstitucionalidade gritante da proposta

Por Raiane de Lima Salme e Cláudio Ribeiro Lopes *

 

Com a quase exclusiva finalidade de atender aos clamores sociais – e foi esta a justificativa utilizada por muitos deputados – é que foi aprovada, no dia 2 de julho, a Emenda Aglutinativa que visa alterar o art. 228 da Constituição Federal (CF), reduzindo a idade penal, de 18 para 16 anos, nos crimes hediondos (PEC 171/1993).

No dia anterior à votação, um texto muito parecido que propunha a redução da idade penal havia sido rejeitado pela maioria. A diferença entre a emenda aglutinativa e a proposta original (PEC 171/1993) consiste no fato de que o texto aprovado retira, do rol de crimes a que se aplicaria a redução da idade penal, o tráfico de drogas, o terrorismo e o roubo qualificado.

A partir do resultado dessa aprovação, a comunidade jurídica apontou para a inconstitucionalidade gritante da proposta.

Ora, o art. 60, § 5º, da CF veda claramente que a matéria objeto de uma proposta de emenda tida como rejeitada ou prejudicada seja objeto de outra proposta na mesma sessão legislativa. O texto constitucional fala nitidamente “a matéria”, e a matéria discutida era a redução da idade penal, que foi alvo de deliberação por dois dias consecutivos, em propostas diferentes, sendo rejeitada a primeira delas, o que significa que só se poderia deliberar novamente sobre tal assunto na próxima sessão legislativa, que corresponde ao período de um ano.

Além do mais, há entendimento majoritário no sentido de que o disposto no art. 228 seria uma garantia fundamental da criança e do adolescente e, portanto, protegido como cláusula pétrea pelo art. 60, § 4.º, IV, da CF.

Diante de tamanha afronta à Carta Constitucional, resta-nos esperar que os ministros do Supremo Tribunal Federal, em defesa do Estado Democrático de Direito, da CF e de todas as garantias que ela representa, declarem a inconstitucionalidade da proposta, ao julgar seu mérito.

Isso é, entretanto, muito pouco. Nota-se, diariamente, passados quase vinte e sete anos da promulgação da atual CF, inúmeras afrontas ao documento. O que se discute é que há posicionamentos reacionários que visam fazer tábula rasa dos direitos e garantias constitucionais. Isso eclodiu a ponto de se buscar “mexer” até mesmo na própria cláusula das garantias, ou seja, no art. 60, direta, ou indiretamente. Nessa perspectiva, o que temos é a transmudação de um Estado de Direito para um Estado de oportunidades, nos melhores moldes da exploração capitalista ou socialista. Não é o Direito definindo o Estado; ao contrário, é o Estado amoldando o direito que entende mais conveniente para a ocasião. Resultado disso? Insegurança jurídica e caos social.

A grande questão a ser enfrentada não é se as reduções devem ou não acontecer, mas como tratar de impedir as afrontas constitucionais, incluindo-se, aqui, aquelas perpetradas por quem mais deveria preservar a atual CF.

 

* Raiane de Lima Salme: Academica do curso de Direito da UFMS – Campus de Três Lagoas/MS.

* Cláudio Ribeiro Lopes: Professor do curso de Direito da UFMS – Campus de Três Lagoas/MS e Doutorando em Sociologia e Direito pelo PPGSD – UFF.