Veículos de Comunicação

Sabe-se, a pena de morte não é exceção jurídica, ao contrário integrando códigos penais em várias partes do Mundo, inclusive em porções do Ocidente cristão. Daí não ser surpresa que ela esteja prevista nas leis iranianas, não valendo interpretá-la  ali apenas sob o pálio das tradições do Islã. Contextos sociais, culturais, políticos e religiosos que não os do universo persa admitem tal sanção, apenas variando nos meios utilizados para aplicá-la. Mas, para quem repudia a sentença capital, não será a lapidação, que nos remete aos idos da Mesopotâmia, forma mais cruel e macabra de supressão da vida humana, que outras ditas menos dolorosas e mais humanitárias, por incorporarem recursos tecnológicos que abreviam o suplício do condenado. A fogueira  e o garrote na Inquisição, o machado e a guilhotina na França e a câmara de gás e a cadeira elétrica dos Estados Unidos estarrecem com a mesma intensidade.

Vai daí que no Irã, a viúva Sakineh, ao relacionar-se sexualmente com dois homens, viu-se acusada de adultério e condenada inicialmente a sofrer 99 chibatadas, pena convertida num segundo momento à morte pela forca e, finalmente, ao apedrejamento. O Mundo arrepiou-se. Não sem razão, até porque conceder créditos de alcova a um marido morto é imaginar prestação de fidelidade conjugal a um fantasma, algo que, segundo os interesses em conflito no Oriente Médio, viceja na terra dos aitolás entre porções de urânio enriquecido a 20% e foguetes prontos para disparo.

Infelizmente, tamanha estranheza, o condenar uma mulher por adultério “in abstrato”, não alcança a triste realidade de outras tantas Sakinehs aqui e alhures, todas submetidas às brutalidades de um Mundo  vertiginoso e “hi-tec”, porém espantosamente complacente com a degradação imposta pelo jugo masculino a quem lhe é diferente apenas no gênero, no mais ser humano igual. Assim, em que pesem as conquistas femininas, do direito de voto à pílula, da partilha de mesas nos gabinetes governamentais e nos escritórios das corporações às leis que  elevam e  reconhecem  uma condição de dignidade que sempre existiu, persiste uma insistência inamovível em negar os avanços já obtidos pelas mulheres.

 Essa insistência em perpetuar a superioridade do homem em relação à mulher ao ponto de transformá-la em objeto de desfrute ou de descarte, ainda que torne a Sakineh iraniana uma referência do quanto pode atingir a Intolerância, a Ignorância e a Violência, entretanto não afasta a terrível constatação de que somam aos milhões as mulheres às quais a cultura machista nega o direito de arbitrar-se, próprio da condição de ser humano, não importem sexo, cor, raça e credo.
 
Quantas são as Sakinehs cujos destinos jamais serão conhecidos nos jornais ou na esquina mais próxima? Quantas são, se elas se multiplicam nas africanas mutiladas sexualmente? Quantas são, na África das guerras tribais, as Sakinehs estupradas apenas para intimidarem o inimigo?  Sakinehs são muitas na Índia das castas, onde, desde crianças, são obrigadas ao trabalho duro para constituírem os dotes a serem oferecidos aos futuros maridos. Sakinehs cuidam da prole e se obrigam à provisão de alimentos nas sociedades indígenas de homens vivendo airosamente entre caçadas, pescarias, embates marciais e ofícios guerreiros. Sakinehs, cujos nomes o público jamais ouvirá, procuram os plantões das delegacias em busca de proteção contra a violência de seus maridos, amantes e namorados e, depois, têm  seus corpos apodrecidos sob as águas de um lago em local ermo ou, então, ao que tudo leva a crer, simplesmente desaparecem sem deixar vestígios. Sakinehs tolas e igualadas a vacas arredias se permitem caçadas a laço  por garotões boçais na Festa do Peão de Barretos… De fato, são incontáveis as Sakinehs porque, infelizmente, depois de tanta luz sobre o gênero humano e já perto de colonizarmos outros Mundos, por aqui ainda é tênue a fronteira entre barbárie e civilização.

 Hélio Silva é economista e advogado