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São Paulo mais humana

A cidade é a extensão da casa do homem. Se o cidadão usa a casa para realizar com a família parte de seus sonhos, usufrui também da área urbana, principalmente do espaço público – a rua, o bairro, o centro urbano, os parques – para exercer sua cidadania cívico-cultural e política. É importante compreender a cidade como a casa maior de todos, o habitat do homem civilizado, culturalmente enriquecido. Portanto, não apenas a casa deve merecer cuidados de beleza e ganhos de comodidade, mas a rua, os prédios, o escritório, o bairro, a cidade. E esta só será bonita e agradável, se servir a todos que nela vivem. Inspirado nessa geografia do urbanismo cidadão, concebida e difundida entre nós por cientistas sociais, como o renomado professor Milton Santos, de saudosa memória, implantamos em São Paulo o arrojado Projeto Cidade Limpa, destinado a organizar a Babel visual em que se tornara a maior metrópole do país, com seus 11 milhões de habitantes. Este empreendimento mostra como é possível uma ação de governo ter sucesso em meio a uma tempestade de pressões de grupos contrariados, boicotes, recursos judiciais e muita polêmica. Basta que o projeto receba as bênçãos do povo.
A lei nos permitiu retirar cerca de 4.500 outdoors dos espaços públicos da capital – equivalente a 22.500 metros –, recolher mais de 275 mil faixas, tabuletas e cartazes colocados irregularmente – que formaria uma distância de 320 km – e aplicar 8.500 multas para anúncios irregulares. A retirada de backlights, frontlights e outdoors, afixados de maneira desordenada ao longo dos anos e amparados por um emaranhado de decretos de complexa aplicação e difícil fiscalização, até porque se vinculavam à Lei de Zoneamento, se fez de maneira ordenada. Mas o esforço passou praticamente despercebido na grandeza territorial de 60 mil ruas e de uma rede de 30 mil outdoors.
Havia muitos empresários honestos e bem intencionados trabalhando na cidade, mas também vários que utilizavam o espaço público de maneira predatória. Mais precisamente, 70% da publicidade externa era irregular até o início de 2007. Devagar, a cidade começou a mostrar sua verdadeira fisionomia.
Critérios rigorosos e claros foram definidos para organizar o espaço público, a partir da vegetação, a sinalização de trânsito, o mobiliário urbano, a comunicação visual da cidade. A mídia exterior, como concessão pública no mobiliário urbano, teria, doravante, novas indicações para as placas: em espaços de até 10 metros de frente, uma lojinha poderia ter uma placa de 1,5 m; de 10 m a 100 m de frente, a permissão passou a ser de uma placa de até 4 metros quadrados; e acima de 100 m, duas peças de 10 m2. Amplo esforço de articulação garantiu a segunda e definitiva votação da lei em plenário, no dia 26 de setembro 2006. As empresas foram obrigadas a regularizar sua situação até 31 de dezembro para os casos de outdoors e até 31 de março de 2007 para as placas indicativas de estabelecimentos comerciais.
Não foi fácil aprovar a Lei Cidade Limpa. Sofremos ameaças. Pressões de todos os lados procuravam inviabilizar a idéia ou descaracterizar seu escopo. Não demos ouvidos aos lobbies e tivemos o apoio fundamental da Câmara Municipal, que aprovou o projeto com agilidade e colaborou muito para mudar o cenário da cidade.
Enfrentamos contundente batalha contra medidas liminares. Partes afetadas pediam indenização pelas despesas com os novos anúncios exigidos por lei. Mas as autorizações permitidas pelas velhas regras eram precárias. Não cabia indenização.  Procuramos sensibilizar a sociedade. E nesse ponto, vale destacar: a população nos deu amplo apoio. Chegamos a receber, por dia, uma média de 3 mil denuncias de publicidade irregular. Pouco a pouco, os descontentes arrefeceram suas manifestações.
Começamos a tirar São Paulo do ranking das capitais mais poluídas no mundo no campo visual. A maior capital do país passou a ter uma vida mais saudável. A auto-estima dos habitantes se elevou. Com outro olhar, os paulistanos redescobriram a cidade. A primeira batalha foi ganha. Outras virão: a poluição do ar está sendo enfrentada com o início da inspeção veicular; a poluição das águas é combatida em parceria com o governo estadual, com grande empenho do governador José Serra. E um ambicioso programa de proteção dos mananciais é feito pela prefeitura, governo do estado e governo federal. Mas a vitória contra a poluição visual mostra que é possível ser otimista.


Gilberto Kassab (DEM-SP) é engenheiro, economista e prefeito de São Paulo